Nonato Guedes
Uma definição impecável sobre o “Centrão”, que voltou à cena política pelas mãos do presidente Jair Bolsonaro, foi dada pelo site “Poder360”: um grupo de partidos sem coloração ideológica clara, que adere aos mais diferentes governos, geralmente em troca de interesses ou vantagens pessoais. É a turma da oração franciscana do “é dando que se recebe” numa versão deturpada – no caso, os congressistas (deputados e senadores) apoiam o governo em troca de cargos e verbas. O bloco não tem uma organização formal nem número exato de integrantes. Ganhou destaque no Congresso Constituinte de 1987-88, com parlamentares contrários às pautas de esquerda. A ex-deputada federal paraibana Lúcia Braga, recentemente falecida, bateu de frente com o “Centrão” nas questões de interesse dos trabalhadores, naquela Constituinte.
O “Centrão” é mais forte na Câmara do que no Senado e agrupa quase 200 parlamentares, geralmente integrantes do denominado “baixo clero”, que não conseguem se projetar por proposições de conteúdo ideológico progressista e sobrevivem barganhando votos com o governo – qualquer governo. O bloco ainda hoje tem viés conservador, contando atualmente com grande presença de evangélicos e apoio ao endurecimento da legislação penal. Quando era presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), que, depois foi preso, reorganizou o “Centrão” para exercer seu poder. Quando o bloco surgiu, em plena Constituinte, o presidente da República era José Sarney, que politicamente era fraco, descendente de oligarquia maranhense e que se investiu excepcionalmente no cargo com a morte de Tancredo Neves, que havia sido eleito no confronto com Paulo Maluf.
Ter nascido como oposição à esquerda, conforme revela o levantamento do “Poder360”, não impediu o “Centrão” de apoiar governos petistas. Na década de 80 ficaram famosos como expoentes do bloco deputados como Roberto Cardoso Alves, do PMDB de São Paulo, Ricardo Fiúza, do PFL-PE, Roberto Jefferson (mensaleiro do PTB) e Valdemar Costa Neto, mensaleiro do PL. Alguns dos membros do “Centrão” têm pendências na Justiça ou são alvo de investigações. Da bancada federal paraibana atual o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP) é apontado como o mais identificado com o agrupamento, juntamente com Wellington Roberto, do PL. O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), coordenador do bloco, foi alvo de denúncia da PGR na semana passada por suposto crime de corrupção passiva em esquema investigado na operação Lava Jato. O pepista negou as acusações.
Por sua vez, o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade-SP, também membro do grupo, foi condenado a 10 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A defesa argumenta que o deputado irá recorrer e que se considera vítima de tráfico de influência. Nos últimos anos do governo Dilma Rousseff (PT), o “Centrão” deu as caras por causa de Eduardo Cunha, que firmou uma aliança considerada como uma das principais responsáveis pela deposição da mandatária em 2016. A associação com o nome de Cunha, conforme analistas políticos, acabou sendo tóxica para a imagem do grupo, tendo em vista que o ex-presidente da Câmara acabou sendo cassado e preso.
A ressurreição do “Centrão” pelo presidente Jair Bolsonaro surpreendeu os menos avisados por causa das declarações que ele tem feito de que “acabou a velha política”, baseada no ‘toma lá-dá-cá’. Essa ‘velha política’ é exatamente o que Bolsonaro vem estimulando, valendo-se da adesão dos parlamentares fisiológicos. Como ex-deputado que pontificou por décadas na Câmara Federal, Bolsonaro conhece a fundo os apetites da “turma” e demonstra, também, saber como saciar esses apetites. Ao distribuir com expoentes do “Centrão” cargos e verbas, o capitão-presidente opera ostensivamente com vistas a evitar derrotas, em plenário, de matérias tidas como relevantes para o Palácio do Planalto. Manobra, ao mesmo tempo, para deter a todo custo o que mais lhe assusta – um processo de impeachment, que tem sido fantasma recorrente na trajetória de Bolsonaro.
O “Centrão” é um quisto infelizmente enraizado na tradição política brasileira. É lamentável que ainda encontre espaço, inclusive, no governo de quem se elegeu como uma espécie de “outsider” da política, como Bolsonaro fez em 2018. Mais lamentável, ainda, é que eleitores de diferentes Estados brasileiros, independentemente de sua posição no PIB, ofereçam seus votos a expoentes do condenável fisiologismo, que nenhuma contribuição positiva oferecem à renovação dos costumes e dos métodos do poder no país.