Nonato Guedes
Ninguém segura o presidente Jair Bolsonaro na obsessão de tumultuar a conjuntura nacional em plena pandemia do coronavírus e de cometer, digamos, imprudências que, para alguns, já configurariam crime de responsabilidade. A “última” de Bolsonaro foi de uma temeridade suprema: estimulou apoiadores a invadir hospitais da rede pública para filmar supostos leitos vazios e, assim, provar que não há casos alarmantes de infectados pela Covid-19. Os “tão loucos mas, ainda bem, tão poucos” apoiadores, no dizer do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, ensaiaram atender à voz de comando do ex-capitão e protagonizaram cenas teatrais arriscadas em unidades de saúde mas não lograram a repercussão esperada. De certa forma – quem sabe? – essa ‘convocação’ permanente que Bolsonaro faz, à falta do que fazer de melhor, está cansando, inclusive, quem mantém o apoio ao seu desgoverno.
Na verdade, a ‘convocação’ para invasão a hospitais públicos foi mais um capítulo na tensão que Bolsonaro adora sustentar com governadores, prefeitos e com outros poderes constituídos, a exemplo do Judiciário e do Legislativo. Ele é persistente nas táticas terroristas que emprega, como parte de uma estratégia mais ampla que visa a dar-lhe poderes ditatoriais e, ao mesmo tempo, tentar emparedar o Supremo Tribunal Federal, que, felizmente (para a maioria da sociedade brasileira) tem sido uma barreira inexpugnável até aqui às pretensões totalitárias do Mussolini brasileiro. Como observa a colunista política Dora Kramer, da revista ”Veja”, os 70% de brasileiros em ação na defesa da democracia é que garantem a preservação da lei e da ordem.
Não obstante o barril de pólvora que Bolsonaro tenta incentivar, “o fato é que não existe, até aqui, nenhuma razão objetiva para a realização de um impeachment do presidente eleito”, conforme editorial da própria “Veja” em recente edição. O editorial adverte que, ao partirem para a guerra franca contra Bolsonaro, setores do STF, do Congresso e da sociedade civil apenas tiram o foco da população da deficiente administração que ele empalma e caem diretamente na narrativa que mais beneficia o mandatário: o embate, as versões, a confusão. “Veja” chega a afirmar, em tom categórico: “Basta de protagonismos indevidos e manobras conspiratórias. Temos de pensar no Brasil”. O caminho, pelo que se depreende da leitura do editorial de “Veja”, passa por um pacto nacional de fortalecimento da democracia e da Constituição, sem violência nem atos hostis.
A verdade é que o tão falado impeachment de Bolsonaro também não está no radar da autoridade a quem cabe, pela Lei, deflagrar um processo desse tipo: o deputado Rodrigo Maia, do DEM-RJ, que tem engavetado, um a um, sucessivos pedidos de impedimento do presidente da República, formulados por partidos de oposição ou por entidades de classe da sociedade civil. Rodrigo Maia avalia que, por enquanto, os instrumentos contidos no texto da Constituição impedem que Bolsonaro descambe para ilegalidades que justifiquem o remédio amargo do impedimento, já usado, desde a instauração da Nova República que se seguiu ao fim da ditadura militar, em duas oportunidades: uma para defenestrar Fernando Collor de Mello em 1992, a outra para desalojar Dilma Rousseff em 2016. Os dois processos não foram traumáticos a ponto de abalar a solidez do regime democrático, que só há pouco tempo havia sido restaurado no Brasil.
A cautela de lideranças políticas (do próprio Partido dos Trabalhadores, à frente o pajé Luiz Inácio Lula da Silva) quanto a detonar um processo de impeachment de Bolsonaro, leva em conta que casos dessa natureza demandam respaldo popular maciço, que, normalmente, se exprime por gigantescas manifestações de rua. Assim foi com os “cara-pintadas” que foram às ruas na década de 90 proclamar o “Fora Collor”, assim se deu com os movimentos populares que entoaram o “Fora Dilma” há cerca de quatro anos. Na presente Era Bolsonaro, o Brasil está simultaneamente sacudido por uma crise sanitária grave decorrente da pandemia do novo coronavírus, que impõe medidas de isolamento social, e por uma crise econômica sem precedentes nos últimos tempos, gerando desemprego em massa e perda de renda por segmentos expressivos da sociedade brasileira, especialmente os mais carentes, que já vêm sendo espremidos há algum tempo na pirâmide social. Tudo que se procura, junto a vozes sensatas, é evitar confrontos que agravem ainda mais a conjuntura.
Bolsonaro, no dizer da revista “Veja”, é o principal promotor do caos, ao agir sem nenhum pudor e abdicar sistematicamente do dever de governar, insistindo na política do “nós contra eles”, da tensão permanente com o Supremo Tribunal Federal e com o Parlamento. Mas o presidente não é o único personagem afeito a conturbar o ambiente, pois figuras de instituições democráticas, em menor intensidade, acabam contribuindo para reforçar as pretensões do presidente quanto à instabilidade. Não fazer o jogo de Bolsonaro já é meio caminho andado para evitar o barril de pólvora em que ele tenta transformar o Brasil. Quanto ao mais, o tempo dirá!