Nonato Guedes
Nos depoimentos sobre a trajetória do prefeito de Guarabira, Zenóbio Toscano, que faleceu ontem em João Pessoa, avulta o reconhecimento à seriedade e zelo pelo interesse público com que ele se portava na trajetória política. Há uma outra qualidade que precisa ser realçada: a de expoente do regime democrático na Paraíba. Aliás, um fator que teria contribuído para influenciar Zenóbio a cair nos braços da política, segundo o jornalista Severino Ramos (in memoriam) foi a sua convivência com Osmar de Aquino, o legendário líder guarabirense que mesmo militando na UDN pregava um socialismo democrático com o entusiasmo e o fulgor de sua inteligência.
Na apresentação de Zenóbio, feita no texto de uma entrevista que com ele fez para o extinto jornal “O Norte”, reproduzida em livro, Biu Ramos contou que Toscano fez todo o seu curso de Engenharia na UFPB durante o período mais sombrio da vida política do país: passou no vestibular quando se deu o golpe de 64 e concluiu o curso quando se instaurava o famigerado Ato Institucional Número Cinco. Não obstante, teve uma atuação bastante intensa no movimento estudantil daquela época, contestando o regime que tentava degolar as lideranças estudantis. Como deputado estadual, foi autor de duas iniciativas históricas no Legislativo Paraibano: o projeto que restaurou os direitos de três deputados cassados pela Assembleia em 64, entre os quais Assis Lemos, grande figura das Ligas Camponesas no Estado e no Nordeste e a criação de uma comissão para apurar o desaparecimento de trabalhadores rurais como “Nego Fuba” e “Pedro Fazendeiro”.
Lembro da preocupação constante de Zenóbio Toscano com reparação de direitos políticos tolhidos abruptamente pela ditadura ou pelos seus aliados. Seu gabinete na Assembleia Legislativa, onde pontificava o escritor e ativista comunista Valdir Porfírio, foi a porta da esperança para acolher remanescentes que haviam sido vítimas da ditadura militar e que buscavam por justiça, ainda que tardia. Por orientação direta de Zenóbio, Valdir e outros assessores qualificados fizeram levantamentos de campo sobre a situação de perseguidos pela ditadura (mortos ou vivos), identificando parentes e prestando assistência aos sobreviventes da longa noite das trevas. Zenóbio assim agiu sem fazer praça de “esquerdista” ou de “comunista”. Era íntegro e autêntico, o que o diferenciava de outros homens públicos na conjuntura política paraibana.
Na entrevista concedida a Severino Ramos, publicada em 1997 e transcrita no livro “Entrevistas de Biu Ramos – A verdade de cada um – Volume I – O Pensamento da Inteligência paraibana no final do século XX”, Zenóbio mostrava-se crítico da imagem da própria classe política junto ao povo. Para ele, o povo tinha uma impressão muito ruim dos políticos, em sua maioria, devido à ânsia deles de galgar o poder, de conseguir o voto a qualquer preço, fazendo campanhas na base da denúncia dos erros dos adversários, erros, às vezes, inexistentes. “Com isso – verberava Zenóbio – o povo é induzido a acreditar que todo administrador público é desonesto e que as exceções são os honestos. Mas é a própria classe política que leva o eleitor a esse julgamento equivocado”.
Segundo ele, numa eleição municipal, tanto na Capital quanto no interior do Estado, a grande maioria dos oradores se preocupava apenas em colocar defeitos nos adversários e formular acusações infundadas, sem o menor respaldo ou procedência. Ao se deixar levar por essa massificação, segundo Zenóbio, o povo era induzido a perder a credibilidade nos políticos de um modo geral e formar um conceito muito ruim da classe política. “É verdade que existem alguns políticos que só cuidam de seus interesses pessoais ou de se locupletar de cargos públicos, sem nenhum tipo de compromisso com a coletividade. Mas esses são a exceção, não a regra”, pontuava Zenóbio. Ele acreditava que somente a classe política teria condições de melhorar sua própria imagem, mas era pessimista com os exemplos que se sucediam, de políticos que não aliavam o discurso à prática. “Não há nada mais desgastante para o político do que dizer uma coisa e fazer outra”, definia o ex-deputado.
Zenóbio era um líder que buscava conciliar as coisas pelo exemplo concreto, o que dá uma ideia do grau de compromisso que tinha com a seriedade na política. Tinha lucidez suficiente para acompanhar a evolução do sentimento popular, tanto que interpretava que o povo estava deixando de agir em função de favores. “Noto que cada vez mais diminui esse tipo de pedido de benefício pessoal, do emprego, da transferência. O que o povo quer, na realidade, é o atendimento aos pleitos de interesse coletivo, a solução para os seus problemas imediatos”. Enfim, Zenóbio agitava preocupação com a corrupção que campeava no país. “Isso só pode ser extirpado com o combate sistemático à impunidade”, advertia. O legado de Zenóbio, na minha opinião, era esse, acima de tudo.