Nonato Guedes
Numa postura de respeito à legalidade, à democracia, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, mantém-se intransigente no compromisso de realizar este ano as eleições previstas para outubro, para os cargos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, contornando as dificuldades que se apresentam com as medidas de restrição social que são consequência da pandemia do novo coronavírus. Sem desconhecer os fatores supervenientes embutidos na crise sanitária, Barroso não esconde que é dogmático quanto à imperiosidade de realização do pleito ainda em 2020, ajustando-se o cronograma a soluções criativas e exequíveis. Isto significa que a eleição pode até ser adiada para novembro ou dezembro, mas não cancelada. Ele voltou a discutir o assunto, ontem, com dirigentes do Congresso Nacional e outros atores da cena presente.
Na entrevista que concedeu ao programa “Roda Viva”, na TV, o ministro Barroso obtemperou: “A Constituição veda uma segunda reeleição e cerca de 20% dos prefeitos já estão terminando o segundo mandato. Portanto, em violação à Constituição, daríamos um terceiro mandato a esses prefeitos”. No caso da Paraíba, enquadram-se nessa situação os prefeitos das duas maiores cidades: João Pessoa, com Luciano Cartaxo, do PV, e Campina Grande, com Romero Rodrigues, do PSD. O dirigente do TSE, que tem ouvido epidemiologistas e especialistas em Saúde Pública, afirmou que eles estão prevendo uma curva de ascensão do coronavírus entre agosto e setembro. Portanto, haveria possibilidade de realizar as eleições na janela entre 15 de novembro e 20 de dezembro. Em último caso, primeiro e segundo turno podem ser efetivados em dezembro.
Assim, seria atendida uma preocupação que não é só do presidente do TSE, mas, também, dos presidentes da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-SC). A data do pleito está marcada na Constituição – primeiro domingo de outubro. Sendo assim, qualquer alteração depende do Congresso Nacional. Além da mudança na data, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral também projeta, sem oferecer maiores detalhes, alterações na rotina das eleições. Ele adiantou que se cogita estender o período de votação e separá-lo em turnos para evitar aglomerações nos locais de votação. “A saúde pública é a nossa principal preocupação; logo atrás, vem a preservação da democracia”, enfatizou Luís Roberto Barroso.
É indiscutível que a eclosão da pandemia de Covid-19, trazendo um corolário de problemas para funcionamento das próprias atividades essenciais em Capitais e nas diferentes localidades do país, tem ensejado tentações antidemocráticas por parte de setores apegados ao poder. Assim é que, para alguns, a eleição deveria ocorrer apenas em 2021, enquanto outros propõem que ela seja materializada em 2022, unificando-a com a escolha de presidente da República, governadores, senadores e deputados federais, estaduais e distritais. Federações de Associações Municipalistas, com o apoio da Confederação Nacional dos Municípios, defendem abertamente a prorrogação de mandatos a pretexto de que a ocorrência de eleição em meio à pandemia pode ter um custo social elevado e encargos financeiros de monta, desviados da rubrica orçamentária que está concentrada no atendimento sanitário.
Ao se investir na presidência da Corte, recentemente, Luís Roberto Barroso tinha conhecimento de toda a controvérsia que cerca o processo eleitoral e em nenhum momento minimizou as dificuldades operacionais. Mas firmou o consenso de que deveria ser feito um esforço para a manutenção do calendário, envolvendo o cumprimento de prazos previstos em lei para a fase preparatória do processo de disputa. Socorreu-se, então, de sugestões para adoção de providências imediatas, pelo mecanismo virtual, a exemplo da transferência de domicílio por parte de eleitores interessados, o que foi feito. Segue-se agora o ritual que demanda à realização de convenções para escolha de candidatos a cargos majoritários e proporcionais, as quais se encaminham, também, para a sistemática virtual. Virá, enfim, a chamada propaganda eleitoral gratuita, que pode ser viabilizada sem maiores problemas nas emissoras de rádio e televisão, prestando-se à apresentação de propostas e mensagens com que postulantes procurarão sensibilizar parcelas do eleitorado.
É louvável o comportamento do ministro Luís Roberto Barroso no que diz respeito ao impasse derivado da polêmica sobre realização ou não das eleições. O Brasil vive um ambiente que está se revelando propício a atos antidemocráticos estimulados pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e que ultimamente passaram a ser coibidos pelo Supremo Tribunal federal. Uma prorrogação de mandatos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, além de convulsionar o cenário institucional, poderia reforçar surtos autoritários. Exatamente aquilo que o Brasil consciente não deseja. Salvar a democracia vai se tornando, pois, uma questão de honra para os que estão realmente comprometidos com o fortalecimento das instituições nesse Brasil de tempos estranhos como os atuais. O que tiver que ser feito precisa ser feito para que os oportunistas e farejadores de crises não sejam favorecidos pela atipicidade da conjuntura.