Nonato Guedes
O próximo dia 25 assinala o centenário de nascimento em Teresina, no Piauí, do jornalista e escritor Carlos Castello Branco, o “Castellinho”, que em vida foi considerado o papa do colunismo político no Brasil e que atravessou ditaduras como a do Estado Novo, de Getúlio Vargas, e a do regime militar instaurado em 1964, com uma competência invulgar na arte de driblar a censura e relatar fatos envolvendo os bastidores da longa noite das trevas que se abateu sobre o Brasil. “Castellinho”, que morreu no Rio de Janeiro em primeiro de junho de 1993, aos 72 anos de idade, pontificou na seara jornalística a partir de Minas Gerais, alcançando o ápice no Rio de Janeiro e em Brasília com a famosa “Coluna do Castello”, publicada por 31 anos no “Jornal do Brasil”. Foi repórter político por mais de meio século, tornando-se referência internacional, o que lhe valeu prêmios de repercussão na mídia.
Ele ganhou minuciosa biografia do jornalista Carlos Marchi no livro “Todo Aquele Imenso Mar de Liberdade”.Ensinou o país a ler nas entrelinhas “a fim de compreender o jogo do poder numa época em que tudo o que o poder mais queria era esconder o jogo”, na belíssima definição de Dora Kramer, que ocupou o espaço da “Coluna do Castello” com a sua morte e se impõe na atualidade com seus escritos na revista “Veja” e em podcasts. Era um mestre no bordado dos detalhes, acrescentou Dora, notando que Castello testemunhou o desmonte das duas ditaduras e, quando se deu a retomada da democracia, pôde abandonar as entrelinhas e falar com clareza. “O Brasil – sublinhou Dora Kramer no arremate – teve a dignidade de lhe dar a chance de ver o país mergulhado em um imenso mar de liberdade”.
Democrata convicto, “Castellinho” foi um dos raros jornalistas que o regime ditatorial não rotulou como esquerdista, numa conjuntura em que a tônica era o maniqueísmo ideológico, vazado no conceito deturpado de “segurança nacional” e na deturpação de outros valores como o do patriotismo e nacionalismo. A ditadura militar carimbava como inimigos os que ousassem contestá-la nos abusos e atrocidades, mesmo liberais confessos como “Castellinho”, que chegou a ser preso em dezembro de 1968, quando a Junta Militar que Ulysses Guimarães denominou de “Três Patetas”, editou o famigerado Ato Institucional Número Cinco, que significava o golpe dentro do golpe, a vitória da linha dura numa quadra especialmente dramática da situação institucional brasileira. A respeitabilidade de Castello era tamanha que seus colegas jornalistas, das novas gerações, cerraram fileiras em torno do seu nome para presidir o Sindicato da categoria do Distrito Federal, em período de repressão maciça à imprensa.
Na apresentação do livro de Carlos Marchi, Merval Pereira aponta que “Castellinho” participou ativamente da vida política do país, mas apenas uma vez “do outro lado do balcão”, como dizemos nós, jornalistas, daqueles que atuam em governos. Foi secretário de Imprensa do presidente Jânio Quadros e conseguiu passar incólume por essa aventura (o presidente renunciou apenas sete meses depois de tomar posse alegando pressão de “forças terríveis”, numa manobra que encobria desejo de voltar ao cargo com poderes ditatoriais, o que não deu certo). Para Merval, essa “aventura” trouxe muitos ensinamentos a “Castellinho”, sobretudo identificar quem é que manda mesmo nos governos, aquele que tem conhecimento dos mecanismos internos e informações que não sejam apenas especulações com interesses pessoais.
“Frio, pragmático, Castellinho sabia lidar com as autoridades de Brasília sem perder de vista sua condição de repórter, o que sempre surpreendia seus interlocutores”, narrou Merval Pereira, observando que o mestre não se sentiu limitado a exercer seu poder de crítica sobre a eleição de Jânio Quadros, mesmo já tendo sido nomeado seu secretário de imprensa, e, depois da renúncia fatídica, continuou acompanhando a vida política de Jânio sem poupar-lhe críticas quando considerava necessário. “Carlos Castello Branco teve que adaptar-se às dificuldades que a censura impunha durante o regime militar, não raras vezes enviando mensagens cifradas nas suas colunas a favor de manobras políticas não apenas da oposição ao regime, mas também de setores militares que atuavam nos bastidores para a abertura democrática que acabaria chegando”. Tornou-se, por isso mesmo, um ícone da imprensa brasileira.
Eu e Severino Ramos, o mestre Biu Ramos, tivemos o privilégio de conversar com “Castellinho” poucos meses antes da sua morte, no terraço do conselheiro Luiz Nunes, do Tribunal de Contas do Estado, em João Pessoa. “Castello” tinha vindo acompanhar a sua mulher, Élvia, ministra do TCU, num congresso de tribunais de contas, e o conselheiro Luiz Nunes teve a ideia de homenageá-lo no sábado, com uma ovada de curimatã, regada a doses de whisky. Presentes, ainda, os historiadores José Octávio de Arruda Mello e Wellington Aguiar. “Castello” nos fez confidências sobre o jogo do poder travado em Brasília. Qualquer reverência a Carlos Castello Branco faz justiça à sua inestimável contribuição prestada à democracia e ao jornalismo político noi país.