Nonato Guedes
O governo do presidente Jair Bolsonaro está infestado de militares em cargos estratégicos, o que, de certa forma, desautoriza o discurso repetitivo do capitão-mandatário e seus apoiadores por salvaguardas que respaldem uma intervenção militar sob o estranho pretexto de preservar a Constituição que, contraditoriamente, resguarda o princípio democrático, ou seja, não acolhe emboscadas autoritárias como as que atraem o apetite de Bolsonaro. Aliás, setores influentes das Forças Armadas já captaram sinais de que elas estão se desgastando ao fazer o jogo do presidente de envolvimento na política, quando deveriam manter distanciamento e colocar-se à disposição para eventualidades asseguradoras da legalidade. A presença de militares da ativa na gestão queima o filme das Forças Armadas. Os ministros da Saúde, Eduardo Pazuello, e o da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, por exemplo, são generais da ativa.
Uma reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” revelou que 2,9 mil militares da ativa ocupam cargos no Executivo. São 1.595 integrantes do Exército, 680 da Marinha e 622 da Força Aérea. Essa matéria levou o Tribunal de Contas da União a decidir contar quantos militares exercem cargos na administração Bolsonaro, além de fazer uma tabela comparativa da atual gestão com as de Michel Temer e Dilma Rousseff. Em postagem nas redes sociais no último dia 18, Ramos perguntou: “Respeito a decisão da maioria do Tribunal. Mas também não seria importante saber quantos médicos e engenheiros tem no governo? Quantos homens e mulheres? Quantos indígenas negros, pardos e brancos? Digo com propriedade que militares são cidadãos fardados que mesmo na reserva continuam servindo ao País. Diante disso, questiono: há algum problema com os militares?”.
Há, sim, general Ramos, problemas com militares. Na Marinha e Aeronáutica, por exemplo, o incômodo é flagrante com a nomeação do pessoal da ativa para trabalhar no Planalto e na Esplanada e com a tentativa de Bolsonaro de colar sua imagem à das Forças Armadas. Em fevereiro, o presidente convocou o almirante Flávio Rocha para assumir uma assessoria especial no seu gabinete. Atualmente, o oficial executa várias tarefas para ajudar Bolsonaro a solucionar os problemas, principalmente os políticos. A presença de Rocha no gabinete presidencial, conforme as versões do “Estadão”, preocupa a Marinha. Das três forças, a Aeronáutica é a que tem menos pessoal da ativa no governo. A maior apreensão atualmente é com uma onda de manifestos de militares da reserva a favor de Bolsonaro e contra o Judiciário e o Congresso. Embora afastados do dia a dia da força, os oficiais aposentados da FAB acabam sendo vistos como representantes da instituição.
A verdade é que o presidente Jair Bolsonaro, por conhecer a própria incapacidade de governar o país e por reconhecer a desastrada atuação que sua gestão vem tendo no enfrentamento ao coronavírus, revela sinais constantes de insegurança quanto à permanência no cargo, até pela consciência das besteiras que tem produzido e da pilha de casos de responsabilidade que, na opinião de alguns juristas, já constituiriam crimes suficientes para fundamentar um processo de impeachment seu. A fim de suprir a insegurança, Bolsonaro procura escudar-se na tropa, apostando na ameaça dos canhões para vencer a democracia, com a qual, declaradamente, não sabe e nem consegue conviver. O problema da estratégia é que ele acaba tentando instrumentalizar militares sérios para respaldá-lo em aventuras autoritárias ou golpistas – e começa a haver uma reação desses militares por não estarem dispostos a fazer o papel de algozes das instituições democráticas e da própria sociedade.
Bolsonaro a cada semana perde um ministro de Pasta estratégica, como se deu nos últimos dias com Abraham Weintraub, o baderneiro da Educação que, inclusive, protagonizou uma fuga rocambolesca do Brasil rumo aos Estados Unidos para tentar fugir de responder a processo instaurado no Supremo Tribunal Federal a propósito de declarações suas chamando ministros da Corte de vagabundos. A Saúde tem um ministro interino (na verdade um militar que cumpre ordens de Bolsonaro, que não entende patavina da pandemia do coronavírus). A Justiça sumiu do mapa com a saída do ministro Sergio Moro. Regina Duarte, a atriz que já foi namoradinha do Brasil, escapuliu pela janela da Secretaria da Cultura, dando um fim aos vexames que vinha sofrendo num governo sem pé nem cabeça. Enfim, a Educação está ao “Deus dará”.
Verdade seja dita: falta governo no Brasil. E falta, sobretudo, um presidente da República que esteja preparado realmente para administrar e que pelo menos respeite as Leis e a Constituição do país. Bolsonaro é a negação de tudo isso. Até quando vai sobreviver sem governar, apenas mandando porque está “inflado” por um golpe branco oportunista, decretado em meio à pandemia que assola e assusta a indefesa e perplexa sociedade brasileira.