Nonato Guedes
Está acontecendo mais ou menos o que se previa: o intenso bombardeio de prefeitos municipais paraibanos sobre deputados federais que terão a responsabilidade, juntamente com representantes de outros Estados, de decidir a sorte da realização das eleições municipais programadas no calendário para outubro em dois turnos, mas cujo adiamento para novembro foi aprovado pelo Senado Federal em sessão remota. O deputado federal Julian Lemos, do PSL paraibano, confirmou que há opiniões controversas e opiniões variadas sobre o futuro das eleições, com propostas que vão do adiamento à prorrogação por dois anos de mandatos atuais de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, possibilitando a alegada coincidência geral em 2022 quando ocorrerão eleições para presidente da República, governadores, senadores, deputados federais, estaduais e distritais.
Entidades municipalistas como a Famup na Paraíba e a Confederação Nacional dos Municípios já haviam prognosticado a forte pressão que iria se desencadear em cima dos integrantes de bancadas federais, focada, sobretudo, no cancelamento do pleito. A razão que se invoca, para consumo externo, é de natureza sanitária, associada à preocupação com a Saúde Pública como corolário das medidas de enfrentamento ao coronavírus que estão sendo adotadas em estado de guerra por gestores nas diferentes esferas – federal, estaduais e municipais. A vigência de medidas restritivas a aglomerações e ao contato com eleitores fortalece o argumento dos defensores da não-realização de eleições em 2020, misturada com problemas logísticos que poderão advir para operacionalizar convenções homologatórias de candidaturas e realização de propaganda eleitoral.
A bancada federal paraibana está claramente dividida, conforme ficou patente, ontem, nas declarações a emissoras de rádio de alguns parlamentares como Julian Lemos, Ruy Carneiro (PSDB) e Hugo Motta, do PRTB. Ruy, que é pré-candidato a prefeito de João Pessoa, tenta contemporizar com o adiamento aprovado no Senado mesmo admitindo que ocorrerá uma espécie de campanha-relâmpago, que não possibilitará o aprofundamento dos debates sobre os problemas urgentes de interesse da população e a formulação de propostas de soluções. Como ele pontuou, não será a campanha ideal, uma vez que de certa forma ficará mutilado o esclarecimento de questões polêmicas que afloram no curso das paixões e dos embates. Mas, pelo menos, estará resguardado o princípio democrático e, em paralelo, assegurada a alternância, evitando-se que gestores atuais sejam contemplados com espécie de sinecuras, ou seja, mandatos graciosos por dois anos sem a necessidade do crivo popular.
O posicionamento das autoridades da Justiça Eleitoral, especialmente do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, continua inarredável: eleição, sim, seja como for; prorrogação, nunca. Ele tem empreendido uma verdadeira cruzada no sentido de garantir o cumprimento do calendário fixado pelo TSE, num esforço para não frustrar a vontade popular ou sacrificar o direito de livre manifestação do eleitorado. Claro que a pandemia é uma excepcionalidade que se coloca acima de tudo. Mesmo o deputado Ruy Carneiro, que admite apoiar o adiamento, contanto que as eleições se realizem ainda este ano, solfeja paulatinamente o discurso de que salvar vidas deve ser a prioridade dos agentes públicos e dos emissários do povo.
O que autoridades como o ministro Barroso levam em conta, na avaliação dos prós e contras do cenário que se descortina, é o fato de que muitos dos atuais prefeitos, de Capitais ou cidades do interior, já estão finalizando segundos mandatos, num total de oito anos de hegemonia no poder. Não seria ético que viessem a ser bafejados com mais dois anos de exercício das funções, em detrimento do revezamento institucional no executivo e mesmo no legislativo. No jogo de pressões e contrapressões que movimenta o destino do calendário, há políticos bem intencionados que querem, sinceramente, contribuir para a solução mais justa, mais racional em face da excepcionalidade da pandemia. Mas há, também, em grande escala, os políticos oportunistas de sempre, que farejam impasses para se favorecer. Estes não estão preocupados com a democracia, muito menos com o coroamento de suas biografias. Estão apegados ao poder, com notórias dificuldades para se desvencilhar de ambições inconfessáveis mas facilmente perceptíveis pelo grande público.
É preciso tratar essa questão delicada de realização ou não de eleições com muito equilíbrio, muita sensatez, para que não sejam forjados elementos artificiais de crise na esteira de um caldo de cultura incontrolável que só fará agravar a situação no País, às voltas com os reflexos devastadores de uma conjuntura cujos tentáculos se espalham pela crise econômica, possivelmente irrecuperável no curto prazo, gerando-se um custo social elevado para as camadas marginalizadas da população.