Nonato Guedes
“Um dia feliz para os que prezam as liberdades; um dia triste para os saudosistas do autoritarismo”. Foi o comentário, no Twitter, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao festejar o resultado de pesquisa do Datafolha apontando que o apoio à democracia chega a 75% no país, o maior índice em 31 anos de história – mais precisamente, desde 1989, quando ocorreram as primeiras eleições diretas presidenciais pós-ditadura militar. Apenas 10% da população consideram que o regime ditatorial é aceitável em algumas ocasiões.
A leitura que é feita entre analistas políticos e expoentes representativos da sociedade brasileira é que a manifestação expressiva pelo regime democrático foi a mais candente resposta aos acenos e às tentações do governo do presidente Jair Bolsonaro, que se arrimam em ideias autoritárias, o que se agrava com uma escalada de arbitrariedades cometidas por apoiadores do mandatário e que nos últimos dias passaram a ser coibidos eficazmente pela Justiça e pela Polícia Federal. A ofensiva desencadeada em prol da manutenção da democracia foi tão fulminante que intimidou e desarticulou grupos de ativistas do bolsonarismo, até então acostumados à impunidade. E levou o próprio Bolsonaro a emitir, às pressas, acenos de entendimento ou pacificação com segmentos que lhe são hostis diante da postura fascista adotada pelo seu governo.
Em dezembro do ano passado, num levantamento que abordou as mesmas questões, 62% dos entrevistados apoiavam a democracia e 12% a ditadura. Para “experts” em análise política, o alastramento da pandemia do coronavírus no país e as recorrentes crises entre o governo e os demais poderes redobraram a sensação de instabilidade do regime democrático e provocaram a divulgação de manifestos e outros documentos em que o repúdio à ditadura tornou-se explícito com todas as letras. A presença de Jair Bolsonaro em manifestações pró-autoritarismo e contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso também contribuíram para a sensação de insegurança democrática, com reflexos colaterais na atividade econômica que já experimenta forte retração em virtude das medidas de isolamento social e de restrições ditadas pelo caráter sanitário.
Na avaliação de 88% dos entrevistados da pesquisa do Datafolha, a maior ameaça ao regime é a divulgação de notícias falsas envolvendo políticos e ministros do Supremo Tribunal Federal. Para 66% deles, são as manifestações nas redes sociais de apoiadores do presidente da República pedindo o fechamento do Congresso e do STF. O fechamento do Congresso é rejeitado por 78%, sendo que 59% descartam totalmente essa hipótese, já 18% aceitam a ideia (11% totalmente). Com relação ao fechamento do Supremo, 75% afirmam ser contra (56% totalmente). Outros 20% apoiam a medida, sendo 14% totalmente. A pesquisa mostra ainda que os apoiadores do Sr. Jair Bolsonaro compõem um grupo maior de aceitação de um regime totalitário: 15%. No entanto, aqueles que rejeitam Bolsonaro tendem a apoiar a democracia – e estes somam 85%.
De acordo com o Datafolha, o país está dividido entre quem vê risco de instalação de uma ditadura (46%) e aqueles que a descartam (49%). A censura aos meios de comunicação é rejeitada por 80% e aceita por 18%. Sobre as redes sociais, 64% acreditam que o governo não deve exercer algum tipo de controle, contra 33% que estão de acordo. Foram ouvidas 2.016 pessoas nos dias 23 e 24, por telefone. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos. Na próxima semana o Senado vai votar o Projeto de Lei das fake news, que pretende combater a disseminação de ataques e notícias falsas através das redes sociais, o que tem sido feito em larga escala por adeptos do bolsonarismo. O isolamento político do presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que está se ampliando em outras frentes na sociedade.
Um levantamento feito pelo site Poder360 sinaliza que, para 52% dos entrevistados, Jair Bolsonaro deve sair da Presidência da República, enquanto apenas 38% querem que ele continue no cargo. A taxa variou 4 pontos para cima desde o último levantamento que foi realizado em 12 de junho. O percentual de 38% favorável à permanência do mandatário representa uma queda de 5 pontos percentuais em apenas duas semanas. Outros 10% não souberam responder. O desejo pela saída de Bolsonaro está relacionado com a avaliação da gestão. Entre os que consideram o governo ruim ou péssimo, apenas 4% querem que ele termine o mandato e 9 em cada 10 entrevistados desejam um afastamento. É o primeiro levantamento depois da prisão de Fabrício Queiroz, apontado como operador de esquema de corrupção no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), quando ele era deputado estadual no Rio.
É sempre um perigo para quem está no poder quando a voz majoritária das ruas começa a expedir alertas, através de sinais de repúdio ou de reprovação. A base de apoio ao presidente Bolsonaro começa a erodir com uma velocidade surpreendente para os seus apoiadores e aliados, mas, na medida exata da indignação dos segmentos conscientes da sociedade com o desgoverno que se pratica no Brasil e com as aberrações antidemocráticas protagonizadas todo santo dia por um presidente que não tem discurso a oferecer à sociedade, muito menos iniciativas para retirar o país da estagnação de que é refém.