Nonato Guedes
Enquanto na João Pessoa do ano 2020 o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) pode entrar na história como o primeiro candidato a fazer campanha a prefeito usando tornozeleira eletrônica, em 1982 na cidade de Cajazeiras, no Alto Sertão paraibano, o músico, carnavalesco e funcionário público João Rodrigues, figura folclórica conhecida como “João de Manezim”, decidiu cumprir pena de oito anos de prisão para se tornar elegível e disputar um mandato de vereador pelo PDS nas eleições daquele ano. “João de Manezim” foi um dos mais bem votados na época, tendo ocupado cadeira na Câmara cajazeirense de 1983 a 1988. Analfabeto, filho de pais pobres, órfã de mãe muito cedo, João não tinha sequer o curso primário mas se achava em condições de ser vereador por ter observado o “baixo nível” de alguns oradores com assento no legislativo da cidade que se orgulha de ter ensinado a Paraíba a ler.
“João de Manezim” morreu em junho de 2013, aos 72 anos de idade, no hospital regional de Cajazeiras por complicações decorrentes de um câncer no fígado. Chegou a ser transportado para a capital do Estado para exames, mas não resistiu à gravidade e foi a óbito. Irreverente, comandava uma escola de samba que animava carnavais em Cajazeiras, foi dono de circo, de um clube popular e comandou um time de futebol. Conseguiu acesso a figuras influentes da sociedade local, passando a ser animador de campanhas eleitorais. Foi condenado a oito meses de prisão por ter agredido o ex-coletor estadual Inácio Brito dentro da repartição. O incidente ocorrera em 1981, quando João, que era auxiliar de serviço do colégio estadual de Cajazeiras, foi à coletoria receber seu salário e “furou” a fila. Os dois se desentenderam e brigaram. Antes disso ele fora preso outras vezes por se envolver em incidentes, sendo geralmente solto graças à interferência de políticos amigos.
Recolhido numa sala livre na cadeia pública de Cajazeiras, “João de Manezim” deflagrou ali mesmo a sua campanha, recebendo visitas e encaminhando pedidos de favores a líderes do PDS. Seu slogan exprimia seu estilo irreverente: “Ruim por ruim, vote em João de Manezim”. Acabou se tornando um dos fenômenos do folclore político brasileiro na categoria de campeão de votos. A decisão de ser candidato surgiu em setembro de 1981, quando, a pretexto de celebrar a saúde de um integrante da sua escola que escapou de um tiro no olho, João fez uma passeata com quase três mil pessoas, ocasião em que distribuiu duas mil velas e mil estátuas pequenas do Padre Cícero, doadas por políticos e por pessoas da cidade.
Sua fama como figura folclórica espalhou-se pelo Estado. O ex-governador Tarcísio Burity, já falecido, em seu primeiro mandato, na década de 80, ajudou a renovar o instrumental da escola de samba de “João de Manezim” como preparação para o desfile no carnaval. O folclórico personagem inaugurou o equipamento numa passeata de protesto contra o governador, liderada pelo suplente de senador e ex-deputado estadual João Bosco Braga Barreto, que foi derrotado como candidato a prefeito de Cajazeiras. “Com seu carisma e espírito de solidariedade, tornou-se bastante conhecido e popular ao ajudar moradores de um bairro pobre da zona sul de Cajazeiras, onde nascera”, relata, em livro sobre personagens daquela cidade a professora Irismar Gomes da Silva.
Sobre o lado “presepeiro” de João de Manezim, a professora Irismar narrou: “Em uma festa junina, ele foi convidado a representar o noivo, fazendo par com a jovem Leda. Aproveitando a deixa, quando a festa terminou, convidou-a para dormirem juntos, já que haviam casado, mesmo sendo de brincadeira. Ela topou. Mais tarde, vieram a se casar de verdade. O casamento durou alguns anos e tiveram vários filhos. Outros casamentos se sucederam, chegando a um total de cinco e a uma prole de vinte e dois filhos. Uma de suas esposas, Maria de Fátima Pena e Silva, era conhecida como “a mulher que vira peixe”, título dado por “João de Manezim” a um dos seus shows em suas aventuras na cidade de Cajazeiras. A sua atitude inusitada de cumprir pena para se tornar elegível repercutiu na imprensa sulista, sendo destaque nas páginas do jornal “O Estado de S. Paulo” de janeiro de 1982.