Nonato Guedes
De uma coisa não se pode acusar o prefeito de Cabedelo, Vítor Hugo (DEM): de radicalizar na postura de fazer valer o decreto municipal que flexibiliza parte da atividade econômica da cidade. Ele tentou dialogar com representantes do Ministério Público e do governo do Estado e ressalta que se baseou em critérios de informação científica para acenar com a abertura de lojas, shoppings, salões de beleza e academia, além de setores da construção civil, bares, restaurantes e lanchonetes, com 50% da capacidade. O promotor Francisco Bergson Gomes recomendou que o decreto municipal seja revisto alegando que a cidade portuária ostenta a bandeira-classificação laranja, em que são permitidas apenas atividades essenciais, não sendo franqueada a inserção de outras atividades. O governo do Estado ‘fechou’ com o Ministério Público.
O que se verifica em Cabedelo é uma reprodução dos conflitos que estão desencadeados em Capitais e municípios de diferentes Estados no Brasil na fase de calamidade provocada pela pandemia do coronavírus. Nota-se que a falta de uma linha clara sobre o que pode ou não funcionar provocou o abre e fecha do comércio, serviços e áreas de lazer, entre outros setores. Mas a direção é inequívoca rumo à flexibilização e isto não se deve meramente a interesses políticos-eleitoreiros, ligados à disputa atípica deste ano pelo comando das prefeituras. Uma reportagem da revista “Veja” mostrou que o cansaço da população com relação ao esquema prolongado de isolamento e as pressões econômicas e políticas ajudaram a precipitar alguns movimentos de flexibilização. Em paralelo existe a crise econômica que é real, com desemprego, demissões em massa e desmotivação de setores produtivos.
Diante da complexidade e delicadeza das conjunturas, o que se espera é que os planos de reabertura das atividades sejam baseados em dados concretos e possibilitem ajustes caso seja necessário recuar por alguma excepcionalidade como reincidência de casos suspeitos de Covid-19. Essa estratégia pressupõe bom senso, racionalidade e diálogo. Em São Paulo, por exemplo, o índice de ocupação de 20% permitido para a reabertura do comércio é considerado um dos mais rígidos do país – nesse caso, a imposição de limites visa a evitar aglomerações e ao mesmo tempo representa uma forma relativamente segura de expor a população ao vírus e criar a chamada imunização de rebanho, quando se tenta promover a imunização natural mais abrangente possível da população em curto prazo.
Especialistas citam estudos de países como a China, mostrando que a curva começou a ceder quando 20% da população adquiriu resistência à doença. No Brasil, a politização da pandemia tem atrapalhado medidas mais consistentes ou eficazes de enfrentamento à doença ou de convivência com o coronavírus. Há um desgastante e quase diário jogo de empurra entre governadores e prefeitos, sem contar com a interferência do presidente da República, que fica dando pitacos e desrespeitando decretos municipais, numa despudorada falta de espírito público. Esse é o lado perverso da crise de Saúde, que acaba assustando segmentos da população mais disciplinados e conscientes. Há muitas queixas sobre o despreparo cultural de pessoas para conviver com o “novo normal”, acatando recomendações como a do uso de máscaras em ambientes públicos. Tudo isso forma um caldo de cultura que mantém a sociedade em estado de tensão e refém de expectativas quanto a ações proativas de gestores públicos que enchem a boca de orgulho para demonstrar que estão na “linha de frente”, embora muitas vezes agindo de forma ditatorial, sem qualquer consulta à população de suas localidades.
Em relação a Cabedelo, o prefeito Vítor Hugo justifica que tomou como parâmetro o registro de menores índices nos últimos 15 dias, tanto de letalidade como de novos casos. Argumenta que a cidade portuária também apresenta um dos melhores índices de recuperados acima de 80%. Ao todo, desde o início da pandemia, 14 mortes foram registradas em Cabedelo como resultado da infecção causada pelo novo coronavírus. Mas, pelo balanço do governo do Estado, o número de casos já ultrapassaria 1.760 e a situação complica-se mais ainda pelo fato de que pacientes do município precisam ser atendidos em João Pessoa, já que a cidade não possui Unidade de Terapia Intensiva referenciada para o atendimento aos pacientes da Covid-19. Tudo isto poderia ser dirimido se houvesse transparência e, além disso, disposição para o diálogo. Infelizmente, ontem, o Ministério Público recusou-se a manter o diálogo com a prefeitura de Cabedelo, quando talvez houvesse espaço para um consenso entre as autoridades.
Independente de interesses políticos, vale repetir: o gestor da cidade portuária tem buscado o entendimento. E é indispensável, por dever de justiça, reconhecer que ele sofre pressões da população para se desdobrar no controle de uma situação complexa e ao mesmo tempo no aceno de alternativas de sobrevivência para segmentos marginalizados. A calamidade impõe que cada um cumpra seu dever, sem querer extrapolar limites nem invadir competências. Assim é a democracia, parte inseparável do ciclo de superação da emergência que todos enfrentam.