Nonato Guedes
A dinâmica política poderá colocar frente à frente, nas eleições a prefeito de João Pessoa, dois antigos aliados que participaram de batalhas memoráveis na história da Capital: o ex-prefeito e ex-senador Cícero Lucena e o atual deputado federal Ruy Carneiro. Em 2004, Ruy foi o candidato de Cícero pelo PSDB à sua sucessão, tendo perdido o páreo para o então deputado Ricardo Coutinho, que se elegeu pelo PSB e foi reeleito em 2008, desta feita derrotando o deputado João Gonçalves, também candidato do agrupamento tucano. Na conjuntura atual, Cícero está filiado ao Partido Progressistas, presidido pelo vice-prefeito de Campina Grande Enivaldo Ribeiro, e avalia a hipótese de se candidatar em meio a insinuações de adversários de que é inelegível por alegadas pendências no Tribunal de Contas da União remanescentes do período em que administrou João Pessoa.
Mesmo se Cícero não for candidato, por algum óbice legal, dificilmente formará ao lado da candidatura de Ruy, que se mantém com chances de indicação dentro do PSDB, sem concorrentes. Ruy adquiriu essa condição independente da desfiliação de Cícero e do seu ingresso no PP, que só recentemente se concretizou. Lucena já vinha se distanciando do ninho tucano na Paraíba, no qual ingressou nos anos 2000 pelas mãos de Ronaldo Cunha Lima que abrira dissidência no PMDB contra o grupo do então governador José Maranhão. Em 1990, Cícero foi vice de Ronaldo na chapa que derrotou em segundo turno o ex-governador Wilson Braga, recentemente falecido. No governo Fernando Henrique Cardoso, fez-se secretário de Políticas Regionais, com aparente status de ministro mas sem a força de ministro, como testemunham alguns líderes políticos paraibanos ainda vivos. A Pasta, na verdade, era subordinada a José Serra, todo poderoso ministro do Planejamento, tucano de fina plumagem e representante do denominado “paulistério” no governo de Efe Agá Cê.
Em 1996, Cícero conquistou o primeiro mandato como prefeito de João Pessoa, tendo como principal adversária a deputada Lúcia Braga, do PDT. Em 2000, foi reconduzido ao posto derrotando o então deputado Luiz Couto, candidato do Partido dos Trabalhadores. Foi nesse período que Ruy Carneiro aprofundou laços com Cícero, ocupando a Chefia da Casa Civil da prefeitura com atribuições que lhe tornavam uma espécie de eminência parda da gestão tucana. No radar de Carneiro estava, indisfarçavelmente, a cadeira de Cícero na prefeitura pessoense. Um dos feitos gloriosos da Era Cícero, o fim do “Lixão” do Róger, que era considerado um “quisto” social na paisagem pessoense, foi capitalizado por Ruy, com a anuência de Lucena, e utilizado como carro-chefe da propaganda do então candidato a prefeito em 2004.
Ruy e Cícero não perceberam que a neoinfluência tucana estava sofrendo abalos e que Carneiro estava a caminho de ser sacrificado no embate das urnas. A novidade no horizonte atendia pelo nome de Ricardo Coutinho, originalmente formado, em termos políticos, na escola do Partido dos Trabalhadores, do qual migrou por falta de espaço junto à cúpula para ser adotado como candidato a prefeito de João Pessoa. Exibindo um estilo diametralmente oposto ao cultivado por Lucena-Carneiro, Ricardo Coutinho logrou, a partir do exercício do mandato na Assembleia Legislativa, firmar imagem de independência e altivez junto ao eleitorado de classe média, credenciando-se a ocupar espaços no campo oposicionista. Com isto, destronou o PMDB na preferência de parcelas da opinião pública.
Ricardo, entretanto, não se fez de rogado e atraiu o próprio PMDB para uma composição em torno do seu nome, com o direito de indicar o candidato a vice. O partido do ainda senador José Maranhão indicou o nome do deputado Manoel Júnior e arregaçou as mangas pela eleição de Ricardo, que, uma vez eleito e empossado desapegou-se da legenda já controlada por Maranhão e ofuscou qualquer desenvoltura de Manoel Júnior, que já em 2006 arriscou-se a concorrer a deputado federal, logrando êxito. Em 2008, o PMDB, via Maranhão, ainda pelejou junto a Ricardo para compor novamente a chapa, com um nome oriundo de seus quadros na posição de vice. Seria uma reparação pela desatenção ou desfeita cometida com Manoel Júnior, conforme alegavam líderes peemedebistas. Surpreendendo a todos, Ricardo formou chapa quimicamente pura, atraindo para seu vice o arquiteto Luciano Agra, filiado ao PSB mas sem militância política efetiva na Capital. Ricardo, depois, virou governador, em 2010, reeleito em 2014.
As peculiaridades da política colocam não apenas Ruy Carneiro e Cícero Lucena frente à frente na pré-campanha pela prefeitura de João Pessoa, mas recolocam em cena o ex-governador Ricardo Coutinho, que é o nome preferencial do PSB para empalmar a disputa (apesar do desconforto de estar usando tornozoleira eletrônica, uma medida cautelar adotada pela Justiça no bojo das investigações da Operação Calvário sobre desvio de verbas na Saúde e Educação do Estado). Ricardo, a dados de hoje, não é inelegível, mas o PSB, de antemão, procura massificar uma provável candidatura da ex-secretária Amanda Rodrigues, esposa dele, que não tem histórico de militância política. Certamente, um roteiro que nenhum analista da mídia previa que viesse a acontecer.
Dizem que política é como nuvem – olha-se para o céu, está de um jeito, olha-se novamente, está de outro. Além disso, é possível dizer-se que política, também, é caprichosa.