Nonato Guedes
Uma articulação bem-sucedida engendrada pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado) e pela Justiça Eleitoral (Tribunal Superior Eleitoral) consumou o adiamento das eleições municipais de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, de outubro, para novembro, nos dois turnos. O adiamento é consequência da grave situação sanitária vivida com a pandemia do coronavírus, que provoca medidas de isolamento social e cria um esforço dos setores mais conscientes no sentido de evitar aglomerações que, porventura, venham facilitar a disseminação do contágio dessa doença invisível que pegou o mundo inteiro de surpresa.
Adiar as eleições foi uma decisão extremamente sensata, que levou em consideração consultas junto a especialistas em Saúde Pública sobre os aspectos da contaminação derivada da Covid-19. Os especialistas auscultados por dirigentes da Justiça Eleitoral e representantes da classe política constituem vozes autorizadas a emitir prognósticos e diagnósticos quanto ao estágio de proliferação do coronavírus e à evolução da curva da doença pelo território nacional. Preferiram ser cautelosos, fixando um tempo para que se tenha definição mais concreta sobre os patamares de incidência do coronavírus na sociedade brasileira, acompanhando, como bússola, a realidade experimentada em países mais avançados que já passaram pelas fases mais agudas ou que nelas estão ingressando.
Houve um outro efeito profilático embutido na aprovação, em caráter de urgência urgentíssima, do adiamento do calendário eleitoral: a necessidade de livrar o país de uma prorrogação de mandatos dos atuais gestores e parlamentares mirins. Essa medida seria antipática por um lado e casuística por outro lado, tendo em vista que apenas favoreceria atuais detentores de mandatos que seriam contemplados com a extensão deles sem precisar concorrer novamente. Uma espécie de sinecura institucionalizada, sem direcionamento de cor partidária, já que expoentes de diferentes legendas que atualmente estão no comando de capitais e cidades grandes, médias e pequenas dividiriam equitativamente o bônus da prorrogação. Convém destacar que o adiamento afinal consensuado barrou um poderoso lobby que já estava formado em hostes municipalistas pela prorrogação de mandatos até 2022, a pretexto de coincidência que possibilitasse efetivação de eleições gerais – para presidente da República, governadores de Estados, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos, vice-prefeitos e vereadores.
O lobby prorrogacionista foi encampado de forma escancarada por presidentes de Federações de Associações Municipais, inclusive a Famup, da Paraíba, com o respaldo, lá em cima, da Confederação Nacional dos Municípios, CNM, que se notabilizou por arregimentar prefeitos, vice-prefeitos e vereadores para consecutivas Marchas a Brasília destinadas a fazer pressão sobre o governo federal e sobre o Congresso Nacional pelo atendimento de demandas de interesse municipalista, traduzidas em mais recursos para os cofres locais e em maior autonomia para a aplicação dos recursos por parte dos gestores. Como já acontecera em outras ocasiões, por razões diferentes, o lobby exibia como moeda de troca para inúmeros parlamentares o apoio mais engajado às suas campanhas por reeleição em 2022 ou pela disputa de cargos executivos, conforme tradição enraizada na vida política-institucional brasileira.
O governo do presidente Jair Bolsonaro, que já coleciona problemas demais para administrar, evitou imiscuir-se na controvérsia que foi explorada na mídia sobre as teses em derredor do calendário eleitoral, deixando, acertadamente, que senadores e, principalmente, deputados federais, ficassem expostos ao debate interminável sobre adiar, cancelar ou realizar eleições em situação de pandemia. Deu-se que os líderes políticos, talvez escaldado de outras batalhas desgastantes envolvendo o perigo da prorrogação, operaram de forma invejável no equacionamento do impasse. Contornaram a miríade de propostas de emendas constitucionais de iniciativa de políticos de vários Estados e concentraram-se na unificação de um texto que favorecesse a convergência mínima. É evidente que alguns penduricalhos foram reivindicados no encaminhamento das negociações para a aprovação do adiamento do pleito em nome de imperativos argumentos de segurança sanitária. Pode-se dizer que tudo foi feito com rapidez, de modo a facilitar um processo sobre o qual pairava a espada de Dâmocles.
Não se pense que a responsabilidade dos líderes políticos e das autoridades judiciárias cessou com a definição – em sessões remotas – do adiamento das eleições para os dias 15 e 29 de novembro. Os líderes serão chamados a se ”reinventar” no “novo normal”, produzindo uma campanha eleitoral atípica, de repercussão imprevisível, condicionada a limitações não só no contato entre candidatos e eleitores mas na visibilidade das propostas que os postulantes se obrigam a defender, como condição para se credenciarem ao voto da maioria. Todas essas excepcionalidades são do conhecimento da maioria da sociedade e, de plano, são acatadas, porque uma outra ameaça foi eliminada – a da prorrogação, que tendia a encontrar campo fértil de propagação nestes tempos em que a própria sobrevivência da democracia no país está a perigo. O adiamento é um mal a menos nesse contexto.