Nonato Guedes
Por um bom tempo, no cenário político brasileiro, disseminou-se a impressão de que tucanos de fina plumagem como os presidenciáveis Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra eram intocáveis quanto a acusações do ponto de vista ético e moral e invulneráveis quanto a sanções legais, diferentemente do que ocorreu com petistas de nomeada, o mais importante deles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpriu pena de prisão por 580 dias na Superintendência da PF em Curitiba. PSDB e PT, como se sabe, vinham polarizando a conjuntura institucional e as frequentes disputas presidenciais travadas nos últimos anos – uma dobradinha que foi interrompida pela emergência do capitão outsider Jair Bolsonaro, em 2018. Mas o PT vinha sendo o mais penalizado, não obstante o primeiro “mensalão” de que se tem registro tenha sido o mensalão tucano mineiro, que demorou bastante tempo para ser inquinado pela Justiça.
Aécio e Alckmin caíram, finalmente, em inferno astral, ainda que não na proporção com que petistas foram fustigados. Mas, em todo caso, vinham sofrendo o processo de derretimento moral, perdendo a condição de vestais em que haviam se encastelado e sendo expostos à execração pública com a mesma ferocidade reservada a corruptos de outras extrações políticas-partidárias. Ontem, quando caiu a máscara de José Serra, envolvido em denúncias apuradas pela Operação Lava Jato, o PSDB passou a viver um pesadelo. Como observou com propriedade o comentarista de política Josias de Souza, o tal derretimento moral de tucanos como Serra e Aécio equivale a um suicídio partidário. “Para uma legenda que já ocupou o Planalto e tem pretensões de entrar novamente no jogo, o convívio com a degradação estimula o eleitor a buscar um distanciamento eleitoral”, acrescenta.
Josias revela, ainda, que a denúncia da Lava Jato contra Serra veio bem e chegou tarde. É dele a palavra: “A eloquência das provas reunidas no processo intimava o Ministério Público a agir. Há uma fortuna em propinas, com depósitos na Suíça. A demora se deve mais à ineficiência cúmplice do Supremo Tribunal Federal do que à lerdeza dos procuradores de São Paulo. Delatado por executivos da Odebrecht, Serra permaneceu a maior parte do tempo protegido atrás do escudo do foro privilegiado do Supremo. Na época em que a polarização política no Brasil oferecia petistas e tucanos como opções ao eleitorado, o PSDB dizia que o PT protegia corruptos e o PT respondia que o protetor de corruptos era o PSDB. O tempo mostrou que os dois lados estavam certos”.
O comentarista Josias de Souza arremata: “Hoje, a chance de Serra ser preso é virtualmente inexistente. Primeiro porque acabou a prisão após condenação na segunda instância. Segundo porque a demora leva à prescrição dos crimes. O crime de corrupção já prescreveu. Resta a lavagem de dinheiro. O PSDB imagina que pode sair ileso dessa encrenca. É algo tão improvável como manter o perfume depois de abraçar um gambá”. Em casos como o de Serra, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge teve de ralar para obter no Supremo Tribunal Federal o envio de processos para a primeira instância. Mas o teor das acusações é explosivo e a repercussão negativa é devastadora. De resto, com a chegada em Serra do braço da Lei, fecha-se mais ou menos um círculo suprapartidário com gente graúda, de Lula a Eduardo Cunha, Sergio Cabral. As buscas e apreensões realizadas na casa do senador e ex-governador de São Paulo José Serra corroboraram suspeitas que há pelo menos uma década vinham sendo sussurradas contra o grão-vizir tucano.
O último dos moicanos no ninho tucano é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já pendurou chuteiras há um bom tempo, embora – a exemplo do seu rival Lula – não tenha perdido o vezo de dar pitacos, em tom pretensamente doutoral, sobre fatos da conjuntura, adentrando sem cerimônia, inclusive, no terreno da ética e da moral. Fernando Henrique escapou, por habilidade, de vexames ou constrangimentos públicos, mas não do carimbo desgastante. Desde o período em que ainda se encontrava no governo, enfrentou denúncias de compra de votos no Congresso Nacional para fazer passar a emenda da reeleição que, por óbvio, o beneficiou na campanha de 1998. No que tange a José Serra, o pivôt das ações que o senador chamou de “invasivas e agressivas” foi a lavagem de dinheiro, que virou objeto de desejo, verdadeiro fetiche de políticos brasileiros, independente de coloração partidária.
O canto do cisne, que já havia chegado para o Partido dos Trabalhadores, está chegando, também, para o Partido da Social Democracia Brasileira. Um fenômeno típico da natureza das coisas neste País de jabuticaba e gaviões do dinheiro público.