Nonato Guedes, com agências
O corpo de Martha Rocha, a primeira Miss Brasil, foi sepultado ontem no Cemitério do Santíssimo Sacramento, em Niterói. Ela morreu no sábado aos 87 anos, de insuficiência respiratória seguida de infarto, segundo um dos três filhos, Álvaro Piano. “A vida dela foi muito sofrida nos últimos anos, ela estava acamada há muito tempo e não conseguia andar. Morreu sem muito sofrimento. Ela já estava cansada. Rodeada de pessoas que cuidavam dela. Nesses últimos meses, a gente só se falava através de contatos telefônicos. Sinto falta da minha mãe, mas ela descansou”, disse Álvaro. Martha Rocha chegou a ser socorrida, mas não resistiu. Tinha 18 anos em 1954. Ela se encontrava recolhida a uma casa de repouso e não pôde receber visitas nos últimos dias devidoà pandemia do novo coronavírus.
Maria Martha Hacker Rocha era baiana de Salvador e foi eleita a primeira Miss Brasil em junho de 1954, em um concurso no hotel Quitandinha, em Petrópolis, região serrana do Rio. “Fica na memória uma pessoa que, apesar da fama toda, era super simples, brincalhona, moleca. Adorava natureza, planta e os animais, amiga de todos. Viveu 12 anos em Volta Redonda perto do meu irmão, Carlos. Saiu de lá porque a saúde dela começou a se deteriorar. Trouxe ela para Niterói há 6 anos”, contou Álvaro ao G1. No concurso de Miss Universo, também em 1954, Martha ficou em segundo lugar, atrás da norte-americana Miriam Stevenson. Uma lenda dizia que ela só perdeu o título por “duas polegadas” do quadril, fato que ela desmentiu. Martha teve dois filhos com o banqueiro português Álvaro Piano, que morreu em um desastre de avião. Aos 23 anos, de volta ao Brasil, se casou com Ronaldo Xavier de Lima e teve outra filha, a artista plástica Claudia Xavier de Lima.
Versões dão conta de que em 1995 teria perdido todo seu dinheiro para o cunhado. Em 2019, ela postou em uma rede social: “Em 1995, com a fuga de Jorge Piano com todo o meu dinheiro, superei meus problemas com suporte de meus dois filhos, duas amigas e o meu trabalho honrado, vendendo os quadros pintados por mim e ganhando cachê para divulgar o concurso Miss Brasil”. Também pelas redes sociais, Martha disse que, por questões financeiras, estava vivendo num lar de idosos em Volta Redonda, no Sul Fluminense. Em entrevista à Globonews, o jornalista Arthur Xexéo comentou que, tecnicamente, Martha não foi a primeira Miss Brasil, já que, em 1930, quando o concurso foi inventado, teve uma miss Brasil, Yolanda Pereira. Entretanto, Xexéo explica que a vitória de Martha acabou sendo mais representativa pelo momento em que o país vivia.
“O Brasil estava um pouco deprimido, teve toda uma questão política daquele ano, a morte do Getúlio Vargas. E, de repente, a gente ganha um concurso internacional e tinha uma mulher linda representando oi Brasil para o mundo inteiro. Então foi um acontecimento mesmo”, comentou. O jornalista conta ainda que a vida de Martha começou a ser acompanhada, que passou a ser tratada como celebridade. “Quando ela casou, quando separou, quando ela aparecia numa festa, todas as atenções se voltam para ela e Martha era notícia no dia seguinte”. Martha pontuou nas colunas sociais durante quatro décadas e encarnou um novo padrão de beleza da mulher brasileira. Em sua autobiografia, ela disse que a história das “duas polegadas a mais” foi inventada pelo jornalista João Martins, da revista “O Cruzeiro”. Ele combinou a história com todos os colegas brasileiros que estavam cobrindo o concurso em Long Beach, Califórnia, como forma de consolar a tristeza do país, pois naqueles tempos um concurso de misses parava o país.
Dona de olhos azuis perturbadores e de uma gargalhada famosa, gostava da noite e costumava receber os amigos em sua ampla cobertura da avenida Atlântica, onde mandou construir uma boate particular em que realizou festas memoráveis. “Adorava ver o sol nascer”, costumava dizer. A disputa com a americana Miriam Stevenson no Miss Universo foi tão controvertida que muitos americanos torceram pela brasileira e contestaram a vitória da compatriota. O então cônsul brasileiro em Los Angeles, Roberto de Oliveira Campos, afirmou, sobre o prestígio de Martha Rocha: “Uma esplêndida propaganda do Brasil nos Estados Unidos”. Para ele, a modelo transformou a cara do País no exterior. “Estou inclinado a aceitar a teoria dos que pretendem que o coração do Brasil está na Bahia”, defendeu. No dia 28 de julho de 1954, Martha Rocha mandou um recado especial aos leitores do jornal “O Estado de S. Paulo”: – Sinto-me imensamente feliz pelo título obtido. Não fui eu quem o ganhou, mas a beleza da mulher brasileira que tentei representar”. De volta ao Brasil, o sucesso de Martha foi fulminante. Seu nome batizou um bolo, inspirou um modelo carro – com duas polegadas de distância entre os eixos – e foi recebida como grande musa brasileira com marchinhas e festas. A trajetória da modelo abriu portas para o segmento no cenário internacional. Nas décadas seguintes, o Brasil conquistaria bons lugares no Miss Universo: a primeira foi Ieda Maria Vargas, em 1963, Miss Mundo e Miss Beleza Internacional. Em 2004, em uma entrevista ao “Estadão”, Martha afirmou que não tinha mais o troféu de Miss Universo nem a faixa de Miss Brasil. Segundo ela, os objetos foram roubados em Salvador, em 1975, durante o velório de sua mãe.
Na época, ela organizava uma exposição com mais de 400 peças de seu acervo pessoal, incluindo reprodução de trajes e fotos com personalidades e políticos como Juscelino Kubitscheck e sua esposa, Sara, o ator de Hollywood Tony Curtis, o príncipe Charles e a rainha da Inglaterra Elizabeth II. Também havia uma foto da modelo com o presidente Getúlio Vargas, meses antes do suicídio. Depois dos 50 anos, Martha enfrentou um câncer e para se recuperar foi viver com o filho em Volta Redonda, no Rio. A ideia de permanecer na cidade chegou junto com a descoberta do talento artístico para a pintura. “Costumo dizer que tenho o mar, as rochas, tudo dentro de mim. Eu poderia ter escolhido viver em qualquer lugar do mundo, até em castelos na França. Acusam-me de caipira, mas o que tenho é amor pelo Brasil”. Na década de 80, Martha Rocha esteve em João Pessoa a passeio, atendendo a convite da amiga Margarida Vasconcellos, que foi Miss Paraíba e também já faleceu. Na ocasião, hospedada no Hotel Tambaú, Martha concedeu entrevista exclusiva ao jornal “A União”, para a repórter Silvana Sorrentino.