Nonato Guedes
A restauração de eleições diretas para prefeitos de Capitais, em 1985, no bojo do advento da “Nova República”, teve como fato extraordinário o crescimento do Partido dos Trabalhadores, fundado apenas cinco anos antes no Colégio Sion, em São Paulo, sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva. Além de conseguir mais de 10% dos votos no contexto nacional, o PT elegeu a professora Maria Luíza Fontenele em Fortaleza, Ceará. Era a primeira prefeita petista de uma Capital: obteve 159.846 votos, 11.409 a mais que Paes de Andrade, que representava a antiga política dos coronéis nordestinos e era o favorito, segundo as pesquisas. Por inexperiência administrativa e inabilidade política, Maria Luíza acabou fazendo uma gestão desastrada, enfrentando greves, incompatibilizando-se com setores populares e com o próprio PT, que a expulsou ainda quando ocupava o cargo.
A campanha de Maria Luíza foi embalada por fortes doses de emoção e pela música “Maria, Maria”, de Milton Nascimento. No livro “1985 – O Ano em que o Brasil Recomeçou”, os jornalistas Edmundo Barreiros e Pedro Só registram que a performance eleitoral do PT naquele ano acordou os que não acreditavam que o partido liderado por um operário de pouca instrução chegaria a algum lugar. A última edição do ano da revista “Veja” trazia na capa uma enorme foto de Lula, na época com 40 anos, a barba ainda negra e desgrenhada. O assunto era o crescimento do Partido dos Trabalhadores nas urnas. Poucos anos depois, uma outra Luíza – nordestina, da Paraíba – conquistou feito maior para o PT: a prefeitura de São Paulo. A vitoriosa foi Luíza Erundina, que ainda se mantém em evidência como deputada federal, agora filiada ao PSOL. Sua gestão, infelizmente, foi sabotada pelo próprio PT e por setores da elite empresarial paulista que nunca absorveram a vitória.
A definição das eleições de 1985 surgiu em 10 de maio quando o Congresso aprovou uma emenda do Executivo que restabelecia eleições diretas para presidente, prefeitos de Capitais, estâncias hidrominerais e municípios considerados de segurança nacional. As eleições municipais seriam realizadas em 15 de novembro. A lei, que ainda estabeleceu o fim da fidelidade partidária e o voto dos analfabetos, também mudou a legislação partidária e deu prazo para o registro de novas agremiações, ainda para as eleições de 15 de novembro. A nova legislação levou à criação de muitos partidos, inclusive, “picaretas”, como um certo PTN (Partido Tancredista Nacional), comandado pelo irreverente Carlos Imperial, no Rio de Janeiro, sem autorização da família de Tancredo Neves, o arauto da Nova República que, como se sabe, morreu sem tomar posse, sendo sucedido pelo vice José Sarney, para frustração e desalento da grande maioria da sociedade brasileira.
O grande vencedor das eleições de 1985 foi o PMDB – ganhou em 116 dos 201 municípios onde houve pleito, ficando com 33,8% do eleitorado. Em segundo lugar veio o PDT de Leonel Brizola, seguido por PTB, PT e PFL. Em João Pessoa, a batalha foi ganha pelo peemedebista Antônio Carneiro Arnaud, apoiado pelo esquema do então governador Wilson Braga (PFL). Derrotou o deputado Marcus Odilon Ribeiro Coutinho (PTB), por cerca de 10 mil votos de maioria. Odilon tinha o apoio do deputado federal e ex-governador Tarcísio Burity, que em 1986 retornou ao Palácio da Redenção pelo voto. O PT, que em 82, na Paraíba, já disputara o governo do Estado com Derly Pereira, marcou presença no pleito de 85 em João Pessoa lançando a chapa Wanderley Caixe-Anísio Maia, que ficou em quarto lugar. Caixe já faleceu. Anísio é o pré-candidato do PT a prefeito da Capital paraibana nas eleições de novembro deste ano.
Pela ordem de classificação, com base nos votos apurados pela Justiça Eleitoral, o terceiro colocado na disputa de 1985 em João Pessoa foi o bancário e evangélico Carlos Gláucio, que tomara a peito a tarefa de organizar o PL então dirigido pelo deputado federal do Rio Álvaro Valle. O PL, mais tarde, acabou sendo “adotado” por Burity, na volta ao governo do Estado, como um partido linha-auxiliar de apoio na Assembleia Legislativa, fazendo contraponto ao PMDB, de quem Burity começara a se distanciar, culminando com o rompimento traduzido em memoráveis epístolas trocadas com o senador Humberto Lucena e amplamente divulgadas em jornais impressos então existentes na Capital. A volta das eleições diretas nas Capitais em 85 impunha-se como consequência da retomada de passos democráticos no país, a exemplo da escolha popular de governadores de Estados em 1982. Até então, governadores e prefeitos de Capitais eram nomeados e carimbados popularmente como “biônicos”, constituindo-se em excrescência do processo político.
Houve outros embates acirrados como em São Paulo, onde Fernando Henrique Cardoso enfrentou Jânio Quadros e chegou a posar na cadeira de prefeito às vésperas da eleição para foto destacada pelo jornal “Folha de S. Paulo”. Foi uma temeridade e, além disso, gesto que expôs FHC ao ridículo. Ao se investir no cargo, Jânio Quadros, que tinha fama de doido, mandou dedetizar a poltrona de prefeito sob os “flashs” e holofotes das emissoras de televisão. “Preciso desinfetar a cadeira de prefeito que foi ocupada por nádegas indevidas”, obtemperou Quadros, em frase antológica, coerente com seu perfil histriônico e simultaneamente erudito. Os militares, envergonhados, saíam pelos fundos do Palácio do Planalto, como fez João Batista Figueiredo, que se recusou a passar a faixa a José Sarney. Nada disso impediu que a democracia seguisse seu rumo inexorável.