Nonato Guedes
Para alguns, é inacreditável. Para outros, é intrigante. Trata-se do fenômeno de declínio fulminante da liderança política de Ricardo Coutinho na conjuntura paraibana, em paralelo com o definhamento ético e moral da sua imagem pessoal. Do ponto de vista histórico não há registro de precedente em caso dessa natureza. No quadro mais recente, houve líderes, como Wilson Braga, que experimentaram derrotas num prazo relativamente curto, comparado com fase análoga de triunfo nas urnas. Ele havia sido eleito governador em 1982 com vantagem espetacular de 151 mil votos sobre Antônio Mariz – e logo em 86 acumulou a primeira de duas derrotas ao Senado que o abateram profundamente. Mas Wilson pôde disputar novamente com chances e entremeou golpes com vitórias pontuais como a eleição a prefeito de João Pessoa, a deputado federal ou deputado estadual. Se não chegaram a reabilitá-lo completamente, essas vitórias atenuaram de algum modo frustrações que nunca escondeu, decepções que deixou aflorar. O ex-governador não chegou a ser preso nem ficou atolado em processos até o fim da sua vida.
No período recentíssimo, Cássio Cunha Lima, quadro valoroso de uma nova geração, tropeçou em duas disputas majoritárias consecutivas – ao governo do Estado, em 2014, abatido por Ricardo Coutinho que postulava a reeleição, e na busca da reeleição ao Senado em 2018, quando ficou imprensado num páreo que acabou polarizado entre Veneziano Vital do Rêgo e Daniella Ribeiro. Sobre a tentativa de retornar ao governo, barrada pelo voto, Cássio avaliou ter sido vítima de concorrência desigual da máquina pilotada por Ricardo, de quem fora aliado em 2010 no mutirão para destronar José Maranhão do poder. Sobre 2018, a impressão é de que Cássio ainda não digeriu o resultado negativo nem completou a exegese em torno das causas que o levaram a revés tão lancinante. Afinal, entre os próprios analistas políticos, são múltiplas as análises ou interpretações sobre o que teria gerado tal insucesso, contrariando prognósticos que positivavam Cássio com chances de abocanhar uma das vagas.
Em relação a Ricardo Coutinho, não estão em jogo derrotas eleitorais, mas focos de desgaste moral e desvios de personalidade. Ele está, no momento, sem perspectiva política porque, à sua despedida do reinado de dois mandatos no governo do Estado, no final de 2017, sucedeu-se um quiproquó que o enredou na crônica policial, em meio a denúncias de suposto envolvimento em desvio de verbas da Saúde e Educação, à testa de uma organização criminosa assim denominada pelo Ministério Público, malgrado a acusação seja reiteradamente repelida, em tom iracundo, pelo ex-governador, que passou a engrossar a lista dos cultores de narrativas focadas em vitimologia. Independente do ritual legal, que tem penalizado Ricardo com o uso de tornozeleira eletrônica e confisco de dinheiro do seu patrimônio, ele assistiu à evaporação dos seus espaços políticos com uma rapidez impressionante.
A desidratação da liderança de Ricardo foi tão impactante que ele praticamente se inviabilizou como alternativa para concorrer à prefeitura de João Pessoa nas eleições deste ano, deixando de protagonizar, em pouco tempo, o retorno a uma esfera de poder que empalmou em duas oportunidades. Se não é contestado dentro do PSB, de onde desalojou o grupo político ligado ao governador João Azevêdo, por cuja vitória se empenhou em 2018, Ricardo experimenta isolamento latente no chamado agrupamento de esquerda, que tinha a ilusão de vir a liderar no Estado uma vez concluída sua passagem pelo governo. O próprio PT, que vinha ensaiando alinhamento com Coutinho como retribuição a gestos recentes seus, de deferência para com os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, desiludiu-se da aposta nele como alternativa e já firmou posição pela candidatura própria do deputado Anísio Maia à sucessão na Capital.
A falta de apoio do PT “coincidiu” com o lançamento, pelo próprio Ricardo, do nome da sua esposa, a ex-secretária Amanda Rodrigues, como opção à sucessão de Luciano Cartaxo no campo da esquerda, que bate mais no governo do presidente Jair Bolsonaro do que na administração municipal ora vigente em João Pessoa. Além de não apresentar histórico de militância política, a Sra. Amanda não empolga setores ideológicos mais ortodoxos da esquerda e muito menos sensibiliza expoentes do Partido dos Trabalhadores, que gradativamente desembarcaram da relação política com Ricardo e aparentam demonstrar firme interesse de distanciamento da sua liderança, prevenindo-se contra armadilhas que possam eclodir em meio a delações premiadas e a inquinações de toda sorte que, volta e meia, movimentam a Operação Calvário, de repercussão recorrente na mídia nacional. Esses fatos atestam a perda de condições de prestígio de Ricardo na realidade política paraibana, contribuindo para operar uma metamorfose atípica, para dizer o mínimo, na conjuntura.
Até então encarado como o “mago” das articulações e do engenho político na Paraíba, com possibilidade de se credenciar a uma projeção favorável no âmbito nacional, Ricardo Coutinho vive doloroso ostracismo, deixando de ser referência para ex-companheiros de jornadas ou de trajetória e tornando-se, mesmo, elemento incômodo para os que querem sobreviver na lide política-partidária na Paraíba. Por todos os títulos, Ricardo amarga não apenas um declínio fulminante, mas um declínio irreversivelmente desgastante para a imagem que tentou construir como “diferentão” na paisagem do Estado e do Nordeste. Por incrível que pareça, essa é a maior “novidade” do insosso quadro pré-eleitoral de João Pessoa em 2020.