Nonato Guedes
Analistas políticos em geral estão advertindo para o doloroso resultado que está se desenhando para forças do chamado campo progressista, mais especificamente da esquerda, nas eleições municipais de prefeito este ano que serão tanto mais atípicas por causa da pandemia do coronavírus. Num ensaio publicado no site “Congresso Em Foco”, o jornalista Ricardo Cappelli, ex-presidente da UNE, que foi secretário nacional de Esporte Educacional e de Incentivo ao Esporte nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, é taxativo: “A ressaca das eleições municipais será dura e educativa. Só uma reviravolta improvável, com a unificação das candidaturas progressistas, poderia mudar este quadro”.
A desunião da esquerda e, no contraponto, a aglutinação de segmentos de direita, que se sentem fortalecidos desde a vitória do presidente Jair Bolsonaro em 2018, são fatores que contribuem para um corte profundo na correlação de forças entre progressistas e tradicionais ou conservadores. Como subproduto da desunião da esquerda avulta o personalismo de líderes, como Luiz Inácio Lula da Silva, que tentam impor suas vontades ao invés de apostar em alianças com renúncias estrategicamente viáveis do ponto de vista dos resultados. Um exemplo concreto está em São Paulo, onde Lula tenta empurrar goela abaixo do eleitorado um candidato, Jilmar Tatto, que não empolga e que deve proporcionar ao PT uma das mais retumbantes derrotas da sua história.
Pesquisas preliminares apontam que em São Paulo o campo progressista está sendo ocupado pelo PSOL, que acena com uma chapa encabeçada pelo sindicalista Guilherme Boulos, tendo como vice a deputada federal paraibana Luíza Erundina. O PT se debate para alavancar a bandeira vermelha e cogita até mesmo, numa situação extrema ditada pelas circunstâncias, reapresentar ao eleitorado a candidatura de Fernando Haddad, ex-prefeito e ex-candidato a presidente da República em 2018. Erundina foi a primeira mulher eleita à prefeitura da Capital paulista, concorrendo pelo PT e com a peculiaridade de ser nordestina, da Paraíba, tendo derrotado esquemas econômicos e oligárquicos poderosos. Quanto a Haddad, tem dado sinais de que não pretende ir para o sacrifício ou para um verdadeiro “moedor de carne”. Na verdade, ele sonha, novamente, ser o “alter-ego” de Lula na campanha presidencial de 2022. Seja como for, o campo progressista parte rachado na capital paulista.
Ricardo Cappelli observa: “É extremamente realista considerar a hipótese de que PT, PDT, PSB, PCdoB e PSOL não elejam nenhum prefeito nas Capitais. É possível que haja vitórias em apenas duas ou três. Será motivo de grande comemoração”. Ele informa que no Sudeste a esquerda pode não ir sequer ao segundo turno e que no Sul a única chance está em Porto Alegre. No Centro-Oeste, o denominado campo progressista só prospera se houver uma “zebra” e, no Norte, parece que só Belém ainda “respira”. No Nordeste, personagens de centro-direita ou bolsonaristas lideram as pesquisas em boa parte das Capitais. “Perdida, dividida e envolvida numa guerra sangrenta pela hegemonia do campo, a esquerda parece não ter compreendido, ou se recusa a aceitar, o recado das urnas em 2018”.
Para Cappelli, o eixo da política nacional, desde 2018, foi empurrado para a extrema-direita, alterando o posicionamento de todas as peças no tabuleiro. E, de lá para cá, o cenário mudou pouco. Bolsonaro perdeu parte da classe média com sua postura negacionista diante da pandemia do novo coronavírus, mas tudo indica que trocou de base através do auxílio emergencial, também conhecido como “coronavoucher”. Se vai durar ou não, ainda é uma incógnita. Indaga Cappelli: “Já passamos de 70 mil óbitos, alguém mais deixará Bolsonaro em função das mortes? A classe média que abandonou o barco vai para onde? Marcha com Moro (Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça) ou volta para os “vermelhos”? Claro que o resultado da economia sempre pode desestabilizar o governo. Neste setor, os resultados de 2021 e 2022 serão piores ou melhores do que o desastre de 2020?”.
E arremata Cappelli: “O capitão está reorganizando o seu governo. Trocou seus líderes na Câmara, avançou no acordo com o Centrão, está tentando estabilizar sua relação com o STF. Conseguiu calar por 20 dias seu principal opositor: ele mesmo. Arrefeceu a agenda ideológica e deu novamente centralidade à pauta econômica. Não existe oposição com uma estratégia definida. Ainda estamos na fase de acordos pontuais em torno de questões específicas, importantes, mas insuficientes. Com o risco de impeachment cada vez mais distante, quem será o principal adversário do capitão em 2022? A oposição liberal seguirá dividida entre Moro, Doria, Huck, Mandetta e outros? A convergência deste atores pode colocá-los no segundo turno contra o presidente?”.
Como é possível notar, há mais indagações do que sinalizações ou respostas. De concreto, o “campo progressista” está na berlinda, ameaçado de revezes acachapantes que significarão como lição para táticas de reestruturação no avanço dos espaços democráticos que a sociedade vinha alcançando nas últimas décadas. Será possível extrair essas lições por cima das feridas – mas evitar o “choque de realidade” talvez fosse a melhor estratégia sob todos os pontos de vista.