Nonato Guedes
Numa entrevista à edição especial da revista “Nordeste”, editada pelo jornalista paraibano Walter Santos, que aborda a trajetória, os ensinamentos e o legado do economista Celso Furtado, cujo centenário de nascimento é celebrado hoje, a professora e economista Tânia Bacelar afirma que ele anteviu a necessidade de mudanças políticas, além das mudanças econômicas, nas estruturas da região. No depoimento a César Locatelli, Tânia Bacelar, que diz ter se transformado em economista quando trabalhou na Sudene, observa que Celso Furtado, como fundador da autarquia, montou a equipe técnica com um olhar de multidisciplinaridade, o que influiu na sua formação e no modo de encarar e lidar com a problemática nordestina. Além de superintendente da Sudene, foi ministro do Planejamento no governo João Goulart e, de volta do exílio pós-ditadura militar, ministro da Cultura no governo de José Sarney. Foram muitas, conforme ela, as resistências contra a fundação da Sudene.
Tânia Bacelar concorda com a valorização da mudança política que Celso Furtado preconizou em suas obras. “Concordo plenamente pois toda transformação econômica dialoga com transformações políticas, levando em conta que o agente econômico também é um agente político. Celso Furtado tinha uma formação ampla, mais profunda. Na verdade, ele era um pensador, um formulador, um homem público, não um mero acadêmico” – acrescentou Tânia, explicando que em sua volta ao Brasil, o economista nascido na cidade de Pombal foca no setor público com a vontade de transformar o país. “Na Sudene, ele queria um Nordeste melhor. Na volta, mantinha o sonho de uma região melhor, de um país melhor, de um mundo melhor. Ele era um verdadeiro agente social, agente político, com lastro de conhecimento muito importante. E, na minha visão, é para isso que serve o conhecimento: para mudar realidades; do contrário, é diletantismo”.
Para a economista, o Nordeste que Celso Furtado estudou, no final dos anos 50, meados do século XX, era muito diferente da realidade atual e foi com base no conhecimento daquela realidade que o economista paraibano organizou a reflexão de que a mudança na estrutura política era indispensável. “O Nordeste, antes de Celso, era menor. Quando Celso liderou o documento do GTDN propôs quatro diretrizes para mudar o Nordeste e para implementar todas elas precisava da mudança geográfica. Por exemplo, a segunda diretriz tinha foco no semiárido e ele achava que era impossível tratar do semiárido nordestino sem enfocar o semiárido da Bahia, que é a maior porção na região Nordeste”. Tânia Bacelar destaca a compreensão que Celso teve de que o Nordeste era predominantemente agrário enquanto, no Sudeste, imperava a burguesia industrial.
– Do ponto de vista político a burguesia industrial do Centro Sul tinha um outro projeto, mais contemporâneo do que o da oligarquia rural nordestina. Então, Furtado propunha fazer, junto com a mudança econômica, a mudança política. O país estava se transformando em uma sociedade urbana, industrial, e isso estava no coração do novo projeto brasileiro. E o Nordeste precisava engatar nessa mudança. Vale destacar que os principais adversários políticos da proposta inicial da Sudene foram os oligarcas rurais do próprio Nordeste. O projeto de criação da Sudene passou quase um ano no Congresso e só foi aprovado com o apoio da bancada do Sudeste contra a bancada conservadora do Nordeste”. Tânia Bacelar concluiu que embora o Nordeste tenha mudado muito as premissas e convicções de Celso Furtado permanecem. “O desafio, hoje, é repensar essa região que não é mais aquela que Celso Furtado estudou”, frisou.
Para o economista e ex-secretário de governo na Paraíba Ronald Queiroz, discípulo de Celso, já falecido, Furtado não se enquadrava, nem de longe, no figurino político seguido por expoentes de esquemas tradicionais no país e, especialmente, no Nordeste, daí porque não vingou “a tentativa de alguns raros militantes do PMDB que, numa operação heroica, queriam fazê-lo candidato ao governo da Paraíba em 1982”. Ronald citou que, conversando com dom José Maria Pires, que foi arcebispo da Paraíba e que era um missionário das causas sociais, o prelado afirmou-lhe: “Eu comparo Celso Furtado a João Paulo Segundo, na superação de suas limitações pela transcendência das causas que defendem”. E arrematou Ronald Queiroz: “Fiquei a pensar comigo: dois peregrinos em trilhas paralelas, iluminados pelo Espírito, no amor de Deus; um, pelo bem da humanidade, outro, ambos no mesmo roteiro da imortalidade quando tudo se revelará”. Na opinião de Ronald Queiroz, Celso Furtado tinha postura de “estadista”.