Linaldo Guedes
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Personagem importante na chamada Revolução de 30, o escritor José Américo de Almeida foi quem deu origem ao que ficou conhecida como literatura regionalista, inserida na segunda fase do Modernismo, com obras que geraram leitores, discípulos e polêmicas. “A Bagaceira”, publicado em 1928, é o marco inaugural dessa fase do Modernismo que revelou nomes como Rachel de Queiroz, José Lins do Rêgo, Jorge Amado e Graciliano Ramos, entre outros.
“A Bagaceira” gira em torno de um triângulo amoroso, entre Soledade, Lúcio e Dagoberto. Soledade, retirante da seca, chega ao engenho de Dagoberto, pai de Lúcio, acompanhada de várias pessoas, como Valentim, seu pai, Pirunga, seu irmão de criação, e outros que fugiam do castigo da seca. Lúcio e Soledade acabam se apaixonando, mas Dagoberto, o dono da fazenda, violenta Soledade e faz dela sua amante. O que seria apenas uma história trágica de amor, é na verdade pano de fundo para que José Américo denuncie a questão social do Nordeste, principalmente em relação à seca, com uma análise da vida dos retirantes que surgem na bagaceira dos engenhos.
O livro de José Américo foi considerado como base para obras de Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo e Rachel de Queiroz. Jorge Amado, por exemplo, dizia que se não tivesse lido o livro do escritor paraibano, não teria escrito “Cacau”
A chamada geração de 1930 sofreu forte influência por um contexto histórico marcado por conflitos sociais e políticos, como a Revolução de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932 (durante a Era Vargas), além da Segunda Guerra Mundial. Essa fase ficou caracterizada pela reflexão dos escritores acerca de fatos contemporâneos, por obras comprometidas com o realismo das questões sociopolíticas e pelo conflito espiritual de alguns de seus autores.
Em ensaio intitulado “A Revolução de 30 e a cultura”, Antonio Cândido afirma que quem viveu naquela época sabe qual foi a atmosfera de fervor que os caracterizou no plano da cultura. Cândido se referia aos artistas e intelectuais, poetas e romancistas e a tomada de consciência ideológica refletida numa postura de engajamento político, religioso ou social. “De fato, os anos 30 foram um momento em que, mais do que nunca, política, ideologia e literatura caminharam juntas. Como conseqüência, sobretudo da Revolução de 30, criou-se um clima de discussão, de questionamento, que, longe de se dissolver com o passar dos anos, foi apenas se acentuando”, completa Cássia dos Santos, em texto publicado no Letras, do Paraná, em 1998.
Cássia lembra que em 1929, Alceu Amoroso Lima foi um dos primeiros a assinalar a existência de uma polarização entre os intelectuais de então. Ao defender que existiam apenas duas grandes causas entre as quais era possível optar, o comunismo ou o catolicismo, o crítico antecipava aquela que seria a grande cisão a separar os artistas e escritores nas duas décadas seguintes. De um lado, segundo ele, se apresentavam a causa do erro e do outro a causa da verdade. De um lado a regeneração pela idéia revolucionária, de outro a regeneração pela idéia religiosa.
O clima de acirramento e de engajamento era tão grande que Jorge Amado, no prefácio à primeira edição de “Capitães de Areia”, escreveu: “Tenho certeza que não fiz obra de repórter e sim de romancista, como tenho a certeza que, se bem os meus romances narrem fatos, sentimentos e paisagens baianas, têm um largo sentido universal e humano mesmo devido ao caráter social que possuem, sentido universal e humano sem dúvida muitas vezes maior que os desses romances escritos em reação aos dos novos romancistas brasileiros e que se distinguem por não aceitarem nenhum caráter local nem social nas suas páginas, romances que no fundo não passam de masturbação intelectual, espécie de continuação da masturbação física que praticam diariamente os seus autores”.
E analisa Graça dos Santos: “O clima favorável a tais interpretações extremadas levava muitos a desejarem assinalar publicamente suas posições, o que motivou o surgimento e a divulgação de manifestos e de algumas declarações de princípios. Dentre estas, a primeira a aparecer talvez tenha sido a que se intitulava ‘Intelectuais e artistas brasileiros contra o fascismo – Declaração de princípios’, publicada na imprensa carioca em 1942. Chamada também de ‘Manifesto dos intelectuais’, esta primeira declaração foi veiculada posteriormente em outros estados do país, ganhando novas adesões. Firmada por mais de cem escritores e artistas, ela era, como seu nome sugere, uma espécie de carta-documento em que os signatários expunham sua absoluta rejeição ao regime fascista, pregando a luta em favor da democracia”.
Na poesia, aquela década teve nomes como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Murilo Mendes e Jorge de Lima, com o predomínio da liberdade formal. Já a prosa, escrita por romancistas como Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Erico Verissimo e Rachel de Queiroz, é marcada por engajamento político e temática social de cunho regionalista.
Entre as principais características da segunda geração modernista estão: foco no mundo contemporâneo; reflexão sobre o sentido de existir; conflito espiritual: fé versus desilusão; textos focados no contexto sociopolítico; liberdade no uso da linguagem; liberdade formal; perspectiva realista; presença de “cor local” na prosa.
O romance de 1930 faz uma retomada do regionalismo romântico a partir de uma perspectiva realista, segundo a crítica. Os romances desse período resultaram de um engajamento político, trazendo a visão pessoal do autor ou autora sobre a realidade brasileira.
Nos enredos dos romances, a valorização do espaço, fazendo com que personagem e espaço virem uma coisa só. O local em que vive o personagem influencia diretamente o seu comportamento. Neste sentido, a seca nordestina foi uma das temáticas regionais de autores da geração de 1930.
As obras desse período trazem um enredo dinâmico, além de uma linguagem simples, o que acabou seduzindo os leitores e propiciando sucesso de vendas para alguns autores. Essas características, contudo, não eram vistas como aleatórias. O romance de 1930, dado o seu caráter ideológico, é construído, intencionalmente, para ser sedutor e de fácil entendimento, de forma a alcançar o maior número de leitores possível.
Entre os principais autores e autoras da prosa nesse período estão: Graciliano Ramos (1892-1953): com Vidas secas (1938) e Memórias do cárcere (1953); José Lins do Rego (1901-1957): com Menino de engenho (1932); Rachel de Queiroz (1910-2003): com O quinze (1930); Jorge Amado (1912-2001): com Capitães da areia (1937) e O cavaleiro da esperança (1942) e Erico Veríssimo (1905-1975): com O tempo e o vento (1949-1961).
Apesar de ser o principal foco da Revolução de 30, a Paraíba demorou a “acordar” para o Modernismo, embora já surgissem as primeiras repercussões desse movimento literário na província. A Era Nova e o jornal A União repercutiam em suas páginas as mudanças na literatura, através de nomes como Álvaro de Carvalho, Carlos Dias Fernandes, Rodrigues de Carvalo, Coriolano de Medeiros, Américo Falcão, Osias Gomes e o próprio José Américo, entre outros.
Texto importante daquela época foi a carta de Joaquim Inojosa publicada na revista Era Nova, em 1924. “A carta se constitui num verdadeiro manifesto em prol da renovação literária desencadeada a partir do movimento paulista. (…) Tal objetivo, a rigor, não teve êxito, embora, evidentemente, a carta tenha aquecido o ambiente de discussões em torno da arte moderna”, afirma Hildeberto Barbosa Filho em “Arrecifes e lajedos: Breve itinerário da poesia na Paraíba”.
De fato, os ecos do Modernismo demoraram a chegar na Paraíba, principalmente na poesia. E se na capital havia pouco ressonância da poesia modernista, no interior do estado, então, nem se fala. Basta saber que Cristiano Cartaxo, considerado até hoje o maior poeta de Cajazeiras, por exemplo, escrevia no estilo parnasiano, com rigor na forma, mesmo que alguns poemas abordassem temas regionais.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.