Nonato Guedes
Esta semana o presidente Jair Bolsonaro visitou o Nordeste e a tendência é que sua presença seja intensificada e sua imagem cada vez mais massificada na região como parte da estratégia para a reeleição em 2022. Nas últimas décadas a esquerda encontrou espaço para se instalar no Nordeste, que concentra o maior índice de rejeição ao presidente Bolsonaro. A revista “Veja” revela que já há algum tempo o capitão vem sendo aconselhado a se aventurar pelo terreno da conquista de eleitores nordestinos, que ainda é considerado arenoso. Antes de o presidente ser contaminado pela Covid-19, um cacique do Centrão projetou a ele o cenário de que há espaço para o presidente angariar apoiadores no Nordeste brasileiro.
Na conversa, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) mostrou a Bolsonaro vídeos com uma sequência de imagens de crianças e famílias comemorando a chegada da água em suas casas. A ideia era que Bolsonaro participasse de uma cena dessas. “Presidente, no dia que tiver uma imagem do senhor comemorando um poço jorrando e se molhando com esse povo, o senhor está reeleito”, disse Nogueira. A avaliação que passou a predominar na órbita bolsonarista é de que a região ainda é apegada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas atualmente vive um vazio de poder diante da derrocada do petista. Seria esse o espaço que Bolsonaro tentaria ocupar. Em discurso, ele seguiu a fórmula. Aos nordestinos disse: “Daqui vem a nossa força, daqui vem aquilo que nós precisamos para continuar buscando o caminho certo para o nosso Brasil”.
O presidente afirmou que lá no Sudeste, a sua região, não há problema de falta d’agua. “E quando nós vemos e sentimos a felicidade de um povo quando chega água naquela região, isso amolece os nossos corações”, ensaiou Bolsonaro, num tom nitidamente piegas e populista. Reportagem da última edição de “Veja” havia destacado pesquisa feita pelo instituto Paraná Pesquisas apontando que melhoraram os índices de julgamento sobre o governo Bolsonaro no Nordeste. Os nordestinos ainda são os brasileiros menos afeitos ao presidente, porém, os que desaprovam o governo caíram de 66,1% para 56,8% entre abril e julho e os que aprovam subiram de 30,3% para 39,4%. Bolsonaro acionou uma fonte conectada ao sistema integrado de abastecimento de água de Campo Alegre de Lourdes na Bahia, no último dia 30.
A imagem da água associada à esperança e às reivindicações dos nordestinos fortaleceu-se nos governos petistas, principalmente o de Luiz Inácio Lula da Silva, pelo fato de ter tirado da gaveta o projeto de transposição das águas do rio São Francisco. Era uma luta que remontava ao Império. A transposição se consolidou como bandeira imperiosa para a região quando governantes e especialistas em estudos climatológicos convenceram-se da necessidade de convivência com a estiagem, que é cíclica neste território, abandonando a visão reducionista de “combate à seca” que enfeitou muitos discursos de oradores inflamados cobiçando votos de eleitores pobres. Lula, sem sombra de dúvidas, até em função das suas origens no Nordeste e do seu conhecimento da tragédia regional, logrou ir longe, deflagrando o projeto da transposição de águas, que também é conhecido como projeto de interligação de bacias.
A ex-presidente Dilma Rousseff não chegou propriamente a determinar a paralisação das obras da transposição, mas não deu ao projeto a prioridade que este tinha sob o olhar de lince do “pajé” petista Lula da Silva. De resto, Dilma andou perdida em formulações sobre prioridades que deveriam pautar seu governo, e em meio a impasses técnicos que teve de enfrentar, foi atropelada pelas chamadas “pedaladas fiscais” que instruíram o rito de largada do seu processo de impeachment, afinal materializado em decisão política da Câmara dos Deputados. Já fora do governo, o “pajé” Da Silva continuou faturando bônus da transposição, deitado em berço esplêndido na narrativa de que havia operado a redenção da região e do seu povo. A imagem positiva de Lula facilitou o desempenho de Fernando Haddad no confronto com Bolsonaro, nesta região, em 2018.
A leitura de que o Nordeste é terreno fértil para governantes de esquerda ignora que por muito tempo a região foi celeiro de coronéis políticos e de expoentes de oligarquias carcomidas cujo poder de mando baseava-se exclusivamente na influência econômica. Nas eleições diretas de 1982 para governadores, o PDS, sucedâneo da Arena, que sustentou a ditadura militar, triunfou de ponta a ponta na região, levando o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, a defini-lo como um “partido nordestino”, o que feriu os brios do paraibano Wilson Braga, que, na réplica, chamou Minas de “gigolô” da economia nacional. A realidade é que há espaço para uns e outros, dependendo de como tratarem o povo nordestino.
As eleições municipais de novembro deste ano, para prefeitos, em Capitais e cidades médias ou nas localidades do vasto e remoto interior do Nordeste, antes denominadas de “grotões”, já fornecerão uma prévia sobre para onde se inclinam as pulsações do eleitorado da região com vistas ao futuro, a curto e a médio prazo. Por isso é relevante esperar que as urnas de 2020 desabrochem e exprimam qual é a correlação política que está a predominar por aqui e se ela favorecerá ou não as ambições de Bolsonaro e bolsonaristas.