Trinta e dois anos após ser eleita pelo PT para comandar a maior cidade do país em 1988, Luiza Erundina de Sousa, paraibana de Uiraúna, no Alto Sertão, volta a disputar uma eleição para a prefeitura de São Paulo, desta vez como candidata a vice na chapa do PSOL encabeçada pelo filósofo, professor e líder do Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Teto Guilherme Boulos. Uma reportagem de UOL, que a entrevistou, lembra que os cenários da capital paulista do fim dos anos 1980 e o de agora são semelhantes. A própria Erundina, que é deputada federal e está em seu sexto mandato na Câmara, reconhece: “os problemas estruturais continuam os mesmos”.
A conjuntura foi agravada pela pandemia do novo coronavírus que em quatro meses matou mais de 90 mil brasileiros. E tanto Erundina quanto Boulos acreditam que esta não será uma eleição para se discutir buraco de rua e, sim, as contingências nacionais. Aos 85 anos de idade, a ex-prefeita se prepara para uma campanha diferente, sem corpo a corpo, enquanto acompanhava votações-chave no Congresso para minimizar os impactos da pandemia. “Nunca trabalhei tanto quanto nesse período”, diz. Em sua casa em São Paulo, de onde não sai nem para a área comum do prédio, Erundina afirmou, por telefone, que à lista de preconceitos que teve de enfrentar ao longo da trajetória se soma agora um novo item: a idade. Segundo ela, o preconceito se manifesta dentro do próprio partido e também nas discussões que costumam ser realizadas no Congresso. “As pessoas tratam a velhice como um defeito. Dizem: coitadinha”.
Ela contesta a associação implícita entre juventude e “nova política”. Ironiza: “Tem até partido chamado Novo. Mas eu nunca vi tanta cabeça velha. Não tem nova política coisa nenhuma”. Na entrevista, gravada, ela se mostrou cética em relação ao alcance das frentes amplas em defesa da democracia, atribuiu a eleição de Jair Bolsonaro, a quem chama de “farsante” ao baixo nível de consciência política, criticou a gestão tucana em São Paulo e lamentou a tentativa de apagamento do educador Paulo Freire, que foi seu secretário da Educação. “O ex-ministro (Abraham Weintraub) que fugiu do Brasil, corrido, só faltava decretar o assassinato de Paulo Freire, mesmo ele morto”, comentou. Erundina contou, ainda, como tem se adaptado ao mundo digital e sentenciou: “Ao vivo é mais fácil de você desmascarar aqueles salvadores da pátria que aparecem na televisão e no rádio, bonitinhos, arrumadinhos”.
Esta não será a primeira vez que Erundina tentará voltar à prefeitura de São Paulo. Na última disputa, em 2016, já filiada ao PSOL, ela recebeu 3,18% dos votos e ficou em quinto lugar na disputa que elegeu João Doria (PSDB), atual governador. Com a pandemia de Covid-19, ela participa de sessões e deliberações da Câmara dos Deputados em trabalho remoto e diz que as reuniões, mesmo virtuais, vão até a madrugada. “Nunca a Câmara votou tantas matérias quanto nesse período. Matérias importantes, de interesse da população, referentes à pandemia de Covid-19, medidas de proteção, de assistência, de apoio às pequenas e médias empresas, medidas para proteger os empregos. Tem sido um conjunto de matérias que têm sido aprovadas, por sinal quase por unanimidade. As vítimas não só da infecção, do contágio com o vírus, mas do impacto da economia, no mercado de trabalho, nas condições de vida da população”.
Sobre Jair Bolsonaro, Erundina dispara: “Esse presidente é um farsante. Ele vive em um teatro contemplando a si mesmo, como Narciso. O país está à deriva. O Congresso tem reagido positivamente mas não é suficiente. Quem opera a política pública, no sentido geral, é o Executivo. As ideias que circulam por aí, defendidas por esse governo, não são nem do século 20, mas do século 19. É um estrago que fica nas gerações de hoje muito grave”. Para a deputada, as autoridades não fizeram o dever de casa em relação à pandemia, nem na fase preparatória nem durante a calamidade. “Abriram demais o isolamento social, já está tudo funcionando. As pessoas acreditam ou se sentem imunes, mas ninguém é imune a essa pandemia”. A seu ver, o governo é omisso e atenta contra o interesse público do ponto de vista da saúde pública, não conseguindo, sequer, acertar na escolha de um ministro da Saúde. A respeito da discriminação que sofre por causa da idade, Luíza Erundina é taxativa:
– Só faltava eu ser negra para completar as razões pelas quais eu sofro, ou sofri, muito preconceito, muita discriminação, muitos ataques. Sou nordestina, mulher, de esquerda, solteira. Só faltava eu ser negra. Eu teria mais um motivo para lutar por alguma coisa. Contra o preconceito racial. E agora eu tenho mais um preconceito: a idade. Imagina quanto isso é forte. Por mais que a gente lute por igualdade, por uma sociedade mais igualitária, mais justa, mais fraterna, mais solidária. Lamentavelmente, isso passa pela formação das pessoas. E a formação das pessoas não passa apenas por uma ideologia que a pessoa eventualmente abrace. Hoje eu tenho mais um fator para lutar. É para demonstrar que a velhice não é uma doença, muito menos um defeito.
Luíza Erundina aborda, também, a violência contra a mulher que, na sua opinião, cresceu muito. “O machista, o agressor, está mais tempo dentro de casa. Tem a violência contra a mulher, contra criança, contra idoso, abuso sexual. Então está sendo outro problema que está preocupando muito. O feminicídio. O que tem morrido de mulher! São coisas terríveis que vão perdurar na vida das pessoas, além das que foram vitimadas pela pandemia. Tudo isso nos preocupa no pós-pandemia. Como é que vai estar esse país sem reservas, sem condições de criar novas saídas? Vai ser preciso ter mais compaixão, mais generosidade. E essa eleição, se a gente aproveitar bem, pode realmente melhorar a sociedade. É isso que me move”, finalizou Luíza Erundina.