Linaldo Guedes
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Pernambuco é uma terra pródiga em poetas acima da média. Quem duvida basta apenas lembrar de alguns nomes, como João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Mauro Mota, Joaquim Cardozo e Carlos Pena Filho. Não são apenas bons poetas. São excepcionais! Carlos Pena Filho, que está neste time, é um daqueles poetas que têm seus versos tornados populares graças a musicalidade dos versos e aos temas abordados. O poeta vestido de azul, como alguns chamavam, partiu para outra dimensão há 60 anos, em julho de 1960.
O poeta paulista radicado na Bahia, Gustavo Felicíssimo, me contou que ouviu de João Ubaldo uma história envolvendo o poeta pernambucado. Segundo ele, Jorge Amado teriado ido ao Recife e marcou um encontro com o Pena Filho no Bar Savoy. Jorge chegou primeiro que ele, estava com amigos, e, sabendo que o Pena Filho era sempre recebido no Savoy com um cálice de cachaça, mandou que colocassem no tal cálice água ao invés de cachaça. Quando Pena Filho chegou, pegou seu cálice e verteu de uma só vez, gritando ÁGUA em seguida, horrorizado. Jorge estava com uma novelinha pronta, ‘A morte e a morte de Quincas’, que após o ocorrido virou o célebre ‘A morte e a morte de Quincas Berro D’água’”, relatou Gustavo.
A história não é inverídica. Carlos Pena Filho foi amigo de grandes poetas e escritores brasileiros. Entre eles, Gilberto Freyre, os poetas pernambucanos já citados nesse texto, e Jorge Amado. Foi advogado e escrevia crônicas em jornais do seu estado de origem, mas foi como poeta que se destacou. Era boêmio e lírico. Como boêmio, não deixou de cantar o tradicional Bar Savoy. Quem que gosta de poesia e da boemia não já recitou os versos a seguir depois de uma noitada em seu bar preferido?
Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Como lírico, não faltam poemas para serem cantados e declamados, sobre os mais diversos temas. Como o desprezo:
Você tem quase tudo dela,
o mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela,
só não tem o meu amor.
Ou o clássico “Soneto do desmantelo azul”, que demonstra a sua predileção por essa cor:
Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas,
Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.
A oralidade e a musicalidade foram marcas da poética de Carlos Pena Filho. O Recife foi cantado em verso e prosa em sua obra, mas sua poesia não era só a capital pernambucana, porque ele ia bem naquela lógica de Tolstoi de cantar sua aldeia para ser universal.
Carlos Pena Filho morreu jovem, aos 31 anos, num acidente de carro. Na infância, chegou a morar em Portugal, mas voltou logo para o Brasil, para reverenciar sua terra, suas origens, seu Pernambuco. Sua morte deixou desolados intelectuais e leitores em todo o Brasil.
Sua trajetória foi rápida, mas importante. Ainda estudante, publicou “Memórias do Boi Serapião” em 1956. Bacharelou-se em 1957 e no ano seguinte saiu “A Vertigem Lúcida”, seu terceiro livro, premiado pela Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco. Em 1959, lançou o “Livro Geral”, reunindo sua obra poética já editada acrescida de poemas novos (Prêmio de Poesia do Instituto Nacional do Livro). Compositor, em parceria com Capiba, foi autor de letras de músicas de sucesso, entre as quais destaca-se “A mesma rosa amarela”, incorporada ao movimento da Bossa Nova na voz de Maysa, e depois gravada por outros artistas como Vanja Orico, Tito Madi e Nelson Gonçalves, “Claro Amor”, “Pobre Canção” e “Manhã de Tecelã”.
Mas fiquemos, nesta homenagem, com mais um poema seu e com o lirismo de seu testamento poético:
Quando eu morrer, não faças disparates
nem fiques a pensar: Ele era assim…
Mas senta-te num banco de jardim,
calmamente comendo chocolates.
Aceita o que te deixo, o quase nada
destas palavras que te digo aqui:
Foi mais que longa a vida que eu vivi,
para ser em lembranças prolongada.
Porém, se um dia, só, na tarde em queda,
surgir uma lembrança desgarrada,
ave que nasce e em vôo se arremeda,
deixa-a pousar em teu silêncio, leve
como se apenas fosse imaginada,
como uma luz, mais que distante, breve.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.