Nonato Guedes
Listado no índex do Tribunal de Contas da União como responsável por contas julgadas irregulares com implicações eleitorais, o ex-prefeito e ex-senador Cícero Lucena (PP) é o grande complicador do atual quadro de disputa à sucessão do prefeito Luciano Cartaxo (PV). Ele é um candidato efetivamente competitivo e, para onde se inclinar, na hipótese de ser rifado do páreo, pode decidir o jogo. Se conseguir levar a candidatura até o fim, poderá sair com o troféu e, nesse caso, administrará a Capital paraibana, que quarta-feira completa 435 anos de fundação, pela terceira vez (foi eleito em 1996 e reeleito em 2000). Houve caso similar de transferência de votos com o jogo em andamento em 1992 quando Lúcia Braga, por problemas legais, teve que desistir da candidatura e seu vice, Chico Franca, embalado pelo prestígio da deputada, ergueu a taça em confronto com Chico Lopes, do PT, no segundo turno.
Cícero não definiu, ainda, sequer companheiro de chapa, estando na fase de entendimentos como parte da estratégia para reforçar seu lastro. A sua própria candidatura surpreendeu os meios políticos porque ele havia dito que não cogitava voltar a disputar a prefeitura de João Pessoa (tentou, em 2012, e perdeu exatamente para Cartaxo, mas demonstrou fôlego ao ir para o segundo turno). Quando deixou patente o projeto de nova candidatura apareceu repaginado em outra legenda – era do PSDB, agora é do Progressistas, comandado pelo “clã” Ribeiro (Enivaldo, Daniella e Aguinaldo). Em tese, poderia figurar na campanha como um candidato franco-atirador, liberado para atacar tanto o governo estadual quanto a administração municipal. Na prática, Lucena centra fogo na gestão de Cartaxo e poupa o governador João Azevêdo (Cidadania), de quem espera apoio valioso, sobretudo quando a campanha se radicalizar.
Entre os adversários de Cícero, ninguém ousa contestar o seu potencial numa disputa – nem mesmo o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), que, como deputado, fez graves denúncias de corrupção contra ele. As denúncias desaguaram numa certa Operação Confraria, que tirou o sono do ex-gestor por muito tempo, mesmo quando dispunha de imunidade privilegiada por causa do exercício do mandato de senador. Por uma dessas ironias da história, hoje é Ricardo quem enfrenta acusações mais fortes, de desvio de recursos da Saúde e da Educação e quem cumpre pena de uso de tornozeleira eletrônica, como medida judicial preventiva. Mas Cícero não consegue escapar dos fantasmas do passado, que se não lhe rendem prisão, podem custar-lhe, pelo menos, uma candidatura no pleito de 2020.
Cícero respirou aliviado quando pôde exibir uma Certidão da Justiça absolvendo-o de incriminação no bojo da Operação Confraria, que estourou no seu segundo mandato e causou-lhe o constrangimento de prisão, com depoimento na Polícia Federal. Mas o inferno astral não cessou completamente – e eis que o Tribunal de Contas da União é a nova pedra no sapato de Cícero, embora ele tenha margem de manobra para espaço de defesa e brechas que possam anular em definitivo as pendências interpostas no meio do caminho quando se julgava em marcha batida para reconquistar pelo voto a cidadela pessoense, à qual, pelo visto, se afeiçoou. Cícero corre contra o tempo para recorrer da inquinação de irregularidades em contratos firmados na sua gestão e, enfim, adquirir o cobiçado passaporte de “ficha limpa” e mergulhar em céu de brigadeiro no cenário eleitoral.
Não logrando êxito na empreitada, estará disponível para oferecer contribuição ao processo de disputa, recomendando ou apoiando candidatura na qual identifique afinidades e possibilidades de vingá-lo pela circunstância de ter sido alijado da concorrência, se isto se materializar. Nas primeiras pesquisas informais levadas a campo a fim de apurar intenções de voto ou preferências eventuais de segmentos do eleitorado pessoense, Cícero Lucena despontou em boa cotação, o que foi atribuído pelos analistas políticos ao “recall” positivo da sua passagem pela prefeitura, da sua atuação como vice-governador e vice-governador do Estado e do mandato de senador. Ele foi, ainda, secretário de Políticas Regionais do governo Fernando Henrique Cardoso, com “status” de ministro, mas essa passagem não foi muito propícia para a sua biografia, devido à falta de autonomia de Lucena, que, na verdade, era subordinado diretamente a José Serra, ministro do Planejamento de FHC.
Nos meios políticos, a previsão é de que o desfecho sobre a elegibilidade ou não de Cícero Lucena venha com certa urgência. O que se diz é que, por causa da pandemia do novo coronavírus, a disputa já está atrapalhada demais para comportar, ainda por cima, indefinições ou impasses jurídicos arrastados em torno da viabilidade de candidaturas. “Jogo rápido” acerca da pendenga é tudo o que desejam outros interessados no radar político-eleitoral de João Pessoa este ano.