Nonato Guedes
Embora tradicionalmente as eleições municipais não tenham muita influência na política nacional, desta vez será diferente: o pleito de novembro próximo tende a ser mais federalizado em função da pandemia do novo coronavírus, com características que se assemelham em muitos aspectos às observadas nas décadas de 1940 e 1950, por conta do distanciamento dos candidatos, e realizadas mediante critérios singulares que precisarão ser analisados com muita atenção nos próximos anos. Quem afirma isso é o cientista político e acadêmico Antonio Lavareda, que já participou de 91 campanhas políticas e é autor do livro intitulado “Emoções Ocultas, Estratégias Eleitorais”.
Em declarações reproduzidas pelo “Jornal de Brasília”, Lavareda salientou que é preciso, para os cientistas e cidadãos como um todo, refletir sobre que características deverão surgir das urnas nas eleições da pandemia, assim como os perfis dos candidatos a serem eleitos. O debate, acrescenta ele, acabará se dando muito mais em relação à pandemia, ao impacto da doença na vida das pessoas, do que sobre os demais problemas locais de cada cidade. Isso levará a um grau de nacionalização forte, replicando posicionamentos do governo federal ou contrários a eles. Diz Lavareda que será inevitável esse processo, em meio à crise que o país atravessa. “Vivemos um ambiente nacional inédito, só comparável às eleições de 1988, no início da nova República”, expressou.
De acordo com o cientista, ingredientes importantes para o pleito estão sendo observados pela primeira vez, como reuniões pelos aplicativos de internet, chamadas e contatos diversos em redes sociais. A quantidade de informações sobre os candidatos pode até ser grande em muitos momentos, mas com o fim do contato físico ou da redução desse contato, a forma de realização das campanhas terá um novo perfil. Na avaliação de Lavareda, todas essas mudanças deverão se refletir nas urnas. Ele não acredita que venha a acontecer um aumento ou retomada de casos de contaminação pela Covid-19 no período da eleição, o que poderia levar ao temor das pessoas de sair de casa para votar. A possibilidade é remota até mesmo, a seu ver, pelo fato de a campanha começar somente na segunda quinzena de setembro.
Mas Lavareda salientou considerar importante que o Tribunal Superior Eleitoral trabalhe com tal possibilidade, e, também, que o TSE transmita informações suficientes para a população, de forma a viabilizar condições de segurança na realização do pleito. Ele admitiu que se em vez das eleições municipais o momento fosse de renovação dos mandatos da Câmara e do Senado haveria um adiamento do pleito para 2021. Mas adverte que seria uma temeridade se tal acontecesse. E justificou: “A democracia do Brasil, vez por outra, se vê desafiada por movimentos que se contrapõem à autonomia entre os poderes. E isso levou à avaliação de muitos políticos que não seria uma boa iniciativa”. O cientista também alertou para o fato de que os candidatos devem ter responsabilidade para realizar as campanhas dentro das limitações que essas eleições exigem.
Aprofundando a análise de que as eleições de 2020 guardarão um pouco de semelhança com pleitos das décadas de 1940 e 1950, em que os candidatos nem sempre percorriam todos os locais onde estava o eleitorado, Lavareda frisou: “Vamos regredir às eleições observadas naqueles tempos. Num contexto assim fica reduzida a taxa agregada de informação dos eleitores”. Há uma preocupação especial do cientista com as fake news, principalmente com o que ele qualifica de “papel deletério” que essas informações têm na vida democrática e nas eleições. “Os candidatos precisam ter grande responsabilidade com a veracidade das informações que transmitam sobre terceiros”, aconselhou Lavareda, esclarecendo que “anonimato, possibilidade de escalonamento e robotização são a forma das fake news no mercado atualmente”.
As análises do acadêmico Antonio Lavareda seguem a linha de raciocínio que tem sido exposta por outros especialistas de renome acerca da natureza das eleições de 2020 ou da sua excepcionalidade em decorrência da pandemia do novo coronavírus. Com a engrenagem em movimento e com os prazos legais tramitando, já dá para sentir a realidade diferenciada a emoldurar o processo eleitoral. “Corpo-a-corpo” é praticamente uma fórmula abolida na disputa, valorizando-se as videoconferências, as “lives”, a chamada campanha online. Convém não esquecer que os debates em emissoras de rádio e televisão deverão ser mantidos – e a certeza dessa exposição garante a visibilidade maior das propostas de candidatos e partidos políticos sobre demandas que competem ao poder público, cujo papel também está sendo repensado.
A eleição, com todas as limitações de que tende a se revestir, poderá ser surpreendentemente pedagógica para testar a capacidade dos líderes e das elites políticas de se reinventarem para melhor, tanto na comunicação com os eleitores que irão cortejar como no arrazoado de ideias que se arriscarão a propor como alternativas para as mudanças que se impõem no contexto das cidades brasileiras. É a expectativa que está no ar, com certeza!!!