Na proporção que a epidemia do coronavírus avança no Brasil, o país assiste também a outra escalada: a de operações contra a corrupção envolvendo dinheiro público destinado a custear ações de enfrentamento à doença. Desde o dia 23 de abril, pelo menos quarenta e duas operações foram desencadeadas, uma a cada 2,8 dias em média. Em agosto, foram deflagradas quatro operações deste tipo no país, até agora. A primeira apuração de irregularidades aconteceu no município de Aroeiras (Paraíba), parte da região metropolitana de Campina Grande, em 23 de abril. Batizada de Alquimia, a investida cumpriu três mandados de busca e apreensão em Aroeiras e em Patos e apurou um prejuízo de R$ 48,3 mil na impressão de cartilhas com orientações de saúde à população.
Informações levantadas pela reportagem da BBC News Brasil com base em dados da Controladoria-Geral da União, da Polícia Federal e do Ministério Público Municipal, revelam que as ações atingem governos como os do Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Nos casos do Rio e do Pará, as apurações atingem os governadores locais, que negam irregularidades, e foram autorizadas pelo Superior Tribunal de Justiça. No Amazonas, a PF chegou a pedir a prisão do governador Wilson Lima, do PSC, mas o pedido foi negado pelo ministro Francisco Falcão, do STJ. Policiais também foram às ruas para apurar irregularidades em 19 prefeituras, incluindo seis capitais: Aracaju (SE), Fortaleza (CE), Macapá (AP), Recife (PE), Rio Branco (AC) e São Luiz (MA).
Ao todo, as 41 operações já cumpriram 604 mandados de busca e apreensão e ao menos 46 pessoas suspeitas de envolvimento foram detidas. Os contratos e compras investigadas somam cerca de R$ 1,32 bilhão – o montante que foi efetivamente desviado ou superfaturado, no entanto, ainda está sendo investigado pelas autoridades. As irregularidades detectadas igualmente variam muito. Há casos de sobrepreço em itens simples, como máscaras descartáveis, caso das operações Assepsia, em Rio Branco, e Cobiça Fatal, em São Luís (MA). Mas também há investigações sobre contratos milionários de compra de respiradores pulmonares e montagem de hospitais de campanha, como nas apurações mirando os governos do Rio de Janeiro, Distrito Federal e Amazonas, onde uma loja de vinhos teria recebido R$ 2,9 milhões para fornecer respiradores.
As investigações chegaram ao município mais setentrional do país, Oiapoque (AP). Segundo a Polícia Federal, a operação Panaceia mostrou que testes para detecção do novo coronavírus foram direcionados a pessoas escolhidas pelos dirigentes da prefeitura. Parte do dinheiro destinado ao combate à pandemia também teria sido usado para comprar bolsas femininas de luxo. A CGU participou de sete operações que tiveram como alvo pessoas que tentaram receber de forma indevida o Auxílio Emergencial de R$ 600, criado para combater os efeitos econômicos da pandemia. Segundo dirigentes da CGU, a avalanche de investigações era “previsível” e repete o padrão de outros momentos nos quais grande quantidade de dinheiro foi enviada a Estados e municípios. O advogado e ex-ministro da CGU Jorge Hage diz que o volume das investigações mostra que o governo “perdeu a mão” na hora de flexibilizar os controles financeiros durante a pandemia.