Nonato Guedes
Em votos consecutivos no Tribunal Superior Eleitoral, versando sobre atos do então governador Ricardo Coutinho (PSB) praticados em plena campanha eleitoral de 2014, na qual ele foi reeleito, o ministro Og Fernandes, relator de ações de investigação judicial eleitoral distintas, como as do Empreender e da PBPrev, confirmou que o socialista valeu-se de instrumentos abusivos de poder e do exercício da conduta vedada para se favorecer no embate pelo Executivo paraibano. O resultado foi que tais abusos de poder constituíram privilégios que desequilibraram a igualdade do pleito daquele ano, prejudicando frontalmente o candidato Cássio Cunha Lima, do PSDB. Cabe notar que Cunha Lima foi vitorioso no primeiro turno, mas no segundo turno perdeu para o oponente e para o rolo compressor que este tinha à sua disposição.
Pelo que o ministro deu a entender, são robustas as provas colhidas em demanda que se arrasta há praticamente seis anos na esfera dos tribunais, sinalizando que houve ilegitimidade no resultado final da contenda que foi proclamado pelo Tribunal Eleitoral na Paraíba. Cássio e sua coligação insistiram nesse ponto por muito tempo, aparentemente malhando em ferro frio. Tinham um propósito, porém: o de restabelecer o império da verdade, para que não prevalecesse a mentira, ou, como se diz no jargão atualizado, a indústria de “fakenews”. Um voto é um voto e pode ou não formar maioria num colegiado judiciário para dirimir dúvidas, desfazer polêmicas. Independente da conclusão desse enredo, que foi atrasada por manobra conhecida do “voto vista”, a opinião do relator Og Fernandes não tem eficácia para restituir direitos uma vez que se trata de matéria vencida ou pretérita. O mandato empalmado por Ricardo Coutinho em circunstâncias que só agora são contestadas, de fato, na Justiça, já se escafedeu, tendo tido o ponto final em dezembro de 2018.
O calendário dos tribunais não pode retroagir, por exemplo, para fazer valer a legítima manifestação do eleitorado ou para dar outro rumo ao processo que seguiu seu curso distorcido em 2014 e não logrou ter o desdobramento correto no período imediatamente seguinte, em condições de corrigir-se um erro palmar que, no final das contas, fere a representatividade democrática, por via de consequência maculando-se a legitimidade do que as urnas exprimiram. O ministro Og, a título de compensação retardatária, postulou por duas vezes, na análise de casos distintos, que fosse imputada inelegibilidade política ao ex-governador Ricardo Coutinho e a outros agentes políticos pelo prazo de oito anos. Se vier a ser endossada pelo restante do colegiado, a penalidade prejudicaria eventuais ambições políticas de Ricardo Coutinho na eleição deste ano a prefeito de João Pessoa como candidato pelo PSB ou hipotéticas pretensões de retorno ao governo do Estado em 2022.
Ainda há chão a ser percorrido, como também há incógnitas rondando o desfecho dos processos que intentam virar a página fatídica da eleição de 2014, sobre a qual ficou pairando essa suspeita de mácula, agitada com mais intensidade, por razões óbvias, pela parte diretamente interessada e diretamente prejudicada que é o ex-senador Cássio Cunha Lima, mas cobrada de forma quase silenciosa por outros setores da sociedade paraibana, vivamente empenhados em tirar a prova dos noves de uma querela relevante para a vida do Estado. E igualmente interessados, como cidadãos, em resguardar seu direito sagrado de votar e, mais ainda, em ver respeitada prerrogativa a qualquer tempo, em obediência aos valores do regime democrático. A inelegibilidade de Ricardo por oito anos é uma espécie de cassação branca. Mas, é inevitável e recorrente que se pergunte: e como fica a situação de Cássio, participante de um jogo maculado, na expressão de uma autoridade credenciada do próprio Tribunal Superior Eleitoral?
Há casos precedentes na história política de outros Estados do Brasil, em períodos análogos ou não, como os há na própria história do Brasil no longevo reinado republicano instaurado. Incidentes dessa natureza, é preciso ficar claro, são anomalias ou aberrações do processo democrático; desvios graves que requerem punição exemplar. E a recorrência dos casos semelhantes deveria advertir a Justiça Eleitoral para pautar mudanças urgentes e definitivas no rito do julgamento de processos referentes a pleitos eleitorais, principalmente as eleições para o Executivo nas diferentes esferas. Porque a morosidade dos ritos é que dá aparência de normalidade a exceções arbitrárias e deformadoras da vontade popular. E essas exceções, por sua vez, geram monstruosidades que vão ficando impunes, num corolário sem fim.
A injustiça política perpetrada contra quem quer que seja é a Covid enquistada no sistema institucional brasileiro, que há de ser reparada ou extirpada em nome da moralização dos costumes e do respeito a valores republicanos que a sociedade tem o compromisso de zelar e fazer cumprir. Não é possível mais conviver com a morosidade de ritos processuais de julgamento de resultados eleitorais que se arrastam indefinidamente, jogando uma zona de sombra nas expectativas e na consciência do eleitorado de um modo geral. O reconhecimento de que uma eleição foi fraudada ou viciada, feita só quando o mandato já foi completado, é um alerta ao Judiciário brasileiro para adotar, de uma vez por todas, a celeridade nas decisões, sob pena de institucionalizar-se para sempre o império dos que talvez venceram em detrimento ou substituição ao governo dos que realmente venceram no julgamento popular. Que o TSE e outros tribunais se abram para a possibilidade de fazer vingar, de verdade, a Justiça neste país, ao invés de leis de fancaria que desmerecem a vontade democrática.