Nonato Guedes
Em seu blog na “Veja”, o economista paraibano Maílson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda no governo do presidente José Sarney, adverte que está em gestação um novo artifício do chamado jeitinho brasileiro: driblar as regras do teto de gastos públicos para aumentar despesas. Traduzindo: senadores propõem emendas constitucionais para livrar do limite os programas sociais e, de sua parte, economistas defendem o fim do teto ou malabarismos contábeis para financiar investimentos. O jeitinho brasileiro, conforme Maílson, envolve a convivência entre a lei e a prática, como uma estratégia para escapar de aspectos indesejados da norma vigente.
Com isso, regras são burladas com desfaçatez impressionante para que sejam atendidos os interesses de pessoas ou de grupos. “Não é uma característica exclusiva nossa, mas aqui até o governo a ele recorre para contornar dispositivos legais. Na versão brasileira, a exceção pode virar regra”, pondera Maílson. E as consequências podem se tornar fatídicas ou calamitosas para o grosso da sociedade brasileira, mantida alheia ou desinformada sobre o que está sendo tramado em gabinetes palacianos ou parlamentares. Maílson da Nóbrega, que já viveu experiências exitosas e desastrosas em diferentes governos – no de Sarney como piloto do célebre Plano Cruzado, que acabou fazendo furos, faz o alerta enquanto há tempo e resta presumivelmente algum bom senso no ar: “O descumprimento do teto de gastos será simplesmente desastroso”.
Segundo ele, o próprio governo federal cogitou consultar o Tribunal de Contas da União sobre a ideia de realizar investimentos nos próximos anos usando o guarda-chuva do Orçamento de Guerra, que vigora apenas em 2020, visa a combater os efeitos da pandemia do novo coronavírus e, por isso, não está sujeito ao teto de gastos. “O programa pós-Brasil, espécie de PAC dos tempos do PT, parecia ter morrido, mas está vivinho da silva, como disse o ministro do Desenvolvimento Regional. O titular da Infraestrutura reclama da escassez de recursos para investimentos. A saída para abrigar esses e outros pleitos de expansão de gastos seria criar exceções ao teto”, acrescenta o ex-ministro, explicando que a restrição se impôs diante do crescimento insustentável dos gastos, de 6% ao ano em média acima da inflação desde o início dos anos 1990, o que elevou sistematicamente a dívida pública da União.
Na avaliação de Maílson, o aumento da dívida pública foi uma das razões para a perda do grau de investimento, o que elevou a taxa de juros e reduziu o potencial de expansão do chamado Produto Interno Bruto. “O teto contribuiu para recuperar a confiança e para a inédita queda das taxas de juros. Tornou-se âncora fiscal e melhorou o ambiente macroeconômico. Os efeitos positivos dessas mudanças foram interrompidos pelos impactos da Covid-19. No pós-pandemia, elas constituirão poderoso motor de retomada do crescimento”. Lembra o ex-ministro de Sarney que a presidente Dilma Rousseff inventou o jeitinho das “pedaladas fiscais”, mediante as quais bilhões transferidos ao BNDES ampliavam empréstimos e lucros, gerando artificialmente gordos dividendos para o Tesouro.
Em meio às pedaladas fiscais da Era Dilma Rousseff, bancos oficiais pagavam subsídios, mas não eram ressarcidos. Essas manobras, no entendimento de Maílson da Nóbrega, maquiavam as estatísticas fiscais – ou seja, não refletiam a realidade das despesas públicas que estavam sendo descontroladamente efetuadas. Por isso mesmo, formaram a base do processo de impeachment da presidente Dilma, detectadas por auditorias especializadas do Tribunal de Contas da União. O Partido dos Trabalhadores, na tentativa de dourar a pílula e apresentar a presidente como vítima de um golpe político, construiu e massificou narrativa nesse sentido, que iludiu segmentos da opinião pública, polarizados por divergências ideológicas opondo esquerda e direita no cenário institucional brasileiro. A análise fria dos números desbaratou, entretanto, o descalabro nas finanças públicas – e Dilma Rousseff foi inapelavelmente apeada do cargo sem que os economistas do PT pudessem lançar mão de contra-argumentos eficazes em favor de sua constituinte.
Para Maílson, “os danos do jeitinho de Dilma levaram tempo para ser percebidos”. Agora, conforme o ex-ministro, não há como esconder os efeitos de burla ao teto. Eles serão visíveis na dívida pública instantaneamente e isso provocaria novos rebaixamentos da nota de crédito do país, acarretando juros mais altos, desvalorização cambial, inflação, redução do crescimento e piora dos níveis de pobreza e de desigualdade. Maílson da Nóbrega conclui sua análise vaticinando que o teto já poderá deixar de ser cumprido se continuar o crescimento das despesas obrigatórias. E arremata: “Os efeitos negativos serão os mesmos. Se as pressões para driblá-lo funcionarem, esse cenário ocorrerá por mera irresponsabilidade. Em qualquer caso, a economia vai para o buraco, ao contrário do que pensam os fura-tetos”.