Nonato Guedes
O secretário de Saúde da prefeitura de João Pessoa, Adalberto Fulgêncio, tem cumprido uma ingrata missão nestes poucos meses que restam do segundo mandato de Luciano Cartaxo (PV) no Paço Municipal: a de explicar o inexplicável, defender o indefensável. Fulgêncio tem se esmerado em convencer a opinião pública de que a proibição do uso de aparelhos celulares nas dependências do complexo hospitalar conhecido como Trauminha de Mangabeira não é censura, manobrada para ocultar os desmandos e irregularidades que o Conselho Regional de Medicina constatou naquela unidade e que motivaram a interdição ética do estabelecimento. No exercício de prestidigitação a que tem se dedicado, Fulgêncio elabora teorias como a de que a censura no Trauminha é medida preventiva, profilática, para garantir a Saúde do povo. Muito comovente, não é mesmo?
A prefeitura conseguiu, junto a um juiz federal, a desinterdição do Trauminha, ainda que os problemas graves de funcionamento persistam e não haja perspectiva de solução a curto prazo. A explicação de Fulgêncio? Ele foi orientado a dizer que a proibição de celulares destina-se a evitar riscos de infecção hospitalar e outros problemas colaterais de saúde em plena pandemia do novo coronavírus. O secretário falta com a verdade. Não há evidências científicas que sustentem o argumento esposado por ele. E muito menos há qualquer garantia de que a proliferação de baratas nas dependências do Trauminha e a falta de materiais para atendimento a pacientes venham a ser equacionados porque a circulação de aparelhos celulares está desativada no ambiente. A “teoria do sofá” é arcaica demais para estar novamente na moda, por favor…
A gestão de Luciano Cartaxo teve praticamente oito anos para dar resposta a problemas cruciais que vinham sendo apontados pela população, com cobrança de encaminhamento de respostas que justificasse o pagamento de impostos pelo cidadão comum. Essa resposta não veio, em muitos casos, e é difícil que venha, especialmente quando está em vigor uma campanha eleitoral em que o esquema do prefeito Cartaxo joga tudo para eleger a candidata ungida à sua sucessão. Diz o falante Fulgêncio que a situação do Trauminha de Mangabeira demanda uma reforma ampla, a custo valioso, que está para ser licitada. Ainda que a licitação seja feita, a conclusão das obras pode acabar sobrando para a próxima gestão, que pode não vir a ser necessariamente empalmada pela candidata ungida pelo staff do prefeito, obcecado por dar continuidade a “um modelo que está dando certo e precisa ter continuidade”.
De todo o quiproquó que foi armado nos últimos dias, com repercussão na mídia televisiva, o que se conclui é que não há um planejamento focado em resolver a situação caótica do Trauminha, mas, sim, em adotar medidas paliativas que passem a impressão de que o hospital está funcionando dentro de condições absolutamente normais de temperatura e pressão que são exigidas para tanto. Cartaxo e equipe correm contra o tempo para “tapar buracos” aqui e acolá, a fim de não dar pretexto a exploração eleitoreira e muito menos prejudicar a performance da candidata Edilma Freire, que, diga-se de passagem, não tem decolado bem em pesquisas informais, preliminares, junto a grupos de opinião, sobre intenções de voto para a eleição que o TSE remarcou para 15 de novembro, excepcionalmente, devido à pandemia do coronavírus.
Na ânsia de “tapar buracos”, a administração de Cartaxo desdobra-se em outra ponta para ocultar o cenário de abandono que foi documentado por imagens colhidas pelo Conselho Regional de Medicina, distribuídas em redes sociais e enviadas a órgãos de investigação como o Ministério Público para atestar o tratamento desumano ministrado no Trauminha de Mangabeira. A proibição de celulares não atende a outro objetivo senão o de abortar a replicação de cenas calamitosas em meios de comunicação. Os oito anos de mandato de Cartaxo vão terminando sem que problemas estruturais, além dos da Saúde Pública, tenham tido encaminhamento correto. Está aí a barreira do Cabo Branco, que sofreu inúmeras intervenções toda vez que se denunciava algum malfeito e que continua a ser uma herança maldita das gestões que estão se findando.
Aliás, em relação à Saúde Pública, é lamentável que gestores em fim de mandato em Capitais importantes do país estejam empenhados em camuflar descaso, abandono e irregularidades valendo-se de expedientes autoritários que remontam à longa noite das trevas, ou seja, à ditadura militar – o mais vistoso deles a censura institucional ou a tentativa de censura. No Rio de Janeiro, foi descoberto um esquema financiado pela gestão do pastor Marcelo Crivella, para impedir a veiculação de reportagens em emissoras de televisão e outros meios de comunicação, versando sobre arbitrariedades na Saúde. Funcionários da prefeitura do Rio, pagos com dinheiro público, faziam plantão na porta de hospitais municipais para atrapalhar reportagens negativas sobre a precariedade do atendimento ao público. O esquema era combinado em grupos de aplicativos de mensagens, um deles denominado “Guardiões do Crivella”.
Os “Guardiões do Crivella” no Rio e os “Guardiões do Cartaxo” em João Pessoa, na Paraíba, são o retrato da falência de modelos administrativos que buscam se apresentar como inovadores e trazem de volta os fantasmas dos quais a população deseja distância. A verdade é que a gravidade da Saúde Pública no País caminha de braços dados e de forma despudorada com as ameaças recorrentes, cotidianas, à democracia, difundidas por milicianos fanáticos de toda espécie e por colaboradores de gestores sem compromissos efetivamente maiores com o interesse da população. E é porque as eleições estão batendo à porta…