Nonato Guedes
A pré-candidatura do ex-senador Cícero Lucena a prefeito de João Pessoa, inclusive, com cotação vantajosa, vem desafiando a lógica do processo eleitoral deste ano, em si mesmo atípico por causa das restrições a eventos aglomerados, e por outros fatores inerentes à construção dessa candidatura e ao cenário geral que aparentemente se desenhava para o pleito a ser ferido a 15 de novembro. Lucena parecia fadado ao ostracismo político depois de uma trajetória saltitante que o levou à prefeitura da Capital por duas vezes, passando pela vice-governança e governo do Estado e pelo mandato de senador, além do registro da atuação como secretário de Políticas Regionais com status de ministro no governo Fernando Henrique Cardoso.
A impressão de ostracismo foi reforçada por declarações que o ex-senador chegou a verbalizar, na base de “prefeito de João Pessoa, nunca mais”. Os fatos se encarregaram de mostrar a Cícero que ele não é dono do seu destino político. Quando a página da vida pública parecia virada para ele, eis que episódios foram se sucedendo de forma encadeada, sinalizando um projeto de poder que ainda abria espaços para Lucena. A filiação ao Partido Progressista em condições privilegiadas, como o direito de poder concorrer pela legenda novamente à prefeitura, devolveu-lhe a motivação para participar do jogo. Os indicativos de popularidade remanescente, detectados em pesquisas informais, cimentaram o molde do projeto em gestação. Cícero foi convencido de que poderia se beneficiar do “recall” dos dois mandatos como gestor da Capital, sendo bafejado, também, pela circunstância de sua absolvição em processos conexos à Operação Confraria, de triste lembrança.
As avaliações passaram a ganhar força em cima de fatores subjacentes – como o calvário judicial enfrentado por um concorrente aparentemente forte à sucessão em João Pessoa, o ex-governador Ricardo Coutinho, do PSB, às voltas quase todos os dias com processos enfeixados numa certa Operação Calvário, de dimensões incalculáveis para autoridades do Ministério Público, diante da eclosão de fatos novos que emergem dos subterrâneos de uma dita organização criminosa especializada, no governo anterior, em desviar recursos da Saúde e Educação, tal como firmado em autos. Incidentalmente, a estratégia acidentada do prefeito da Capital, Luciano Cartaxo (PV), que sacrificou nomes de peso para ungir uma candidata que nunca disputou mandatos eletivos nem incursionou pelo jogo bruto da atividade política, somou para animar os apoiadores de Cícero a levá-lo adiante na empreitada, buscando resolver últimas pendências restantes, sobre prestações de contas, que, na dúvida, podem favorecer sua elegibilidade.
Por último, mas não menos importante no processo, conspirou a favor do ex-senador Cícero Lucena a tática do governador João Azevêdo de não lançar candidato próprio a prefeito este ano, na Capital, pelo Cidadania, partido a que se filiou e passou a comandar recentemente, depois que se desvencilhou da influência avassaladora de Ricardo Coutinho nas hostes do PSB. Azevêdo optou por declarar apoio a Cícero, falando em nome do esquema político que está a comandar hoje, não obstante a fase gradativa de formação de que isto se reveste. Como consequência da palavra de ordem do governador, dois filiados do Cidadania que se anunciaram como pré-candidatos a prefeito na Capital recuaram sem maior resistência e se comprometeram a seguir com Azevêdo por onde ele for: o vereador Bruno Farias, presidente do diretório municipal, e o advogado Odon Bezerra, ex-presidente da OAB estadual.
Além de manter sob controle pretensões originárias das próprias hostes do partido a que é filiado, Azevêdo avançou por partidos da sua base de sustentação política, conseguindo sensibilizar o deputado estadual Wilson Filho, do PTB, a retirar a pré-candidatura ao Paço Municipal e, por via de consequência, engajar-se no trem pilotado por ele (o governador) com um passageiro ilustre que é o ex-senador Cícero Lucena. Na versão costurada sob medida para “amarrar” a adesão do PTB e de Wilson Filho, selou-se o compromisso de anexação, no programa de governo de Cícero, de propostas que o ex-pré-candidato iria defender. Deu tudo certo, é claro. E o gesto estimulou João Azevêdo a continuar explorando espaços onde possa medrar apoio à candidatura de Cícero, dando-lhe a robustez desejada para uma competição que, desafiando prognósticos, pode vir a se tornar bastante complicada na hora da onça beber água.
Se houver algum impedimento de Cícero, todo esse esforço terá sido inútil e precisará ser jogado fora? Ponto 1) O comboio da pré-candidatura de Lucena a prefeito de João Pessoa não trabalha com a hipótese de ele não ser candidato; Ponto 2) O governador João Azevêdo tem demonstrado um apetite invejável para o jogo político, no qual estreou em grande estilo em 2018 como candidato ao Palácio da Redenção. Dizem os aliados do chefe do Executivo que ele não está para brincadeiras e que, em paralelo com a “blitzkrieg” política que tem encetado, busca garantir a retaguarda na esfera jurídica a fim de poder exibir um troféu na proclamação dos resultados da Capital. É o teste mais aguardado dos últimos tempos na história política paraibana, isso é indiscutível. No meio desse torvelinho, a figura emblemática de Cícero Lucena.