Nonato Guedes
A sociedade percebe claramente que está em curso uma ofensiva para enfraquecer e desmoralizar a operação Lava Jato, com possibilidade de que a investigação iniciada em 2014 esteja chegando ao fim. Os mais recentes episódios da crise na Lava Jato foram a simbólica saída do procurador Deltan Dallagnol da força-tarefa montada em Curitiba, e o pedido de demissão coletiva de procuradores do grupo de São Paulo. Mas os indícios são de que o futuro da investigação já estava em discussão nos últimos meses. Diz-se que a oposição do governo Bolsonaro ao andamento de apurações é um dos fatores da crise, mas a bem da verdade a ofensiva “une” esquerdistas, bolsonaristas e o Procurador Geral da República, Augusto Aras.
O governo Bolsonaro dá sinais de que está fraquejando no trabalho de combate à corrupção, o que coincide com o pipoco de denúncias contra pessoas ligadas ao capitão-presidente. Um detalhe que se leva em conta é que Augusto Aras esteve com o presidente mais que o dobro de vezes da antecessora Raquel Dodge. Por outro lado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e expoentes do PT e da esquerda aproveitam-se da instabilidade do trabalho da Lava Jato para tentar jogar a pá de cal na credibilidade da operação e em minuciosas investigações que foram realizadas. A redução do apoio popular à operação também estaria contribuindo para o desgaste. Pesquisadores acham que devem ser pesadas características ligadas à operação em si, desde os elogios ao sucesso alcançado a partir das investigações até as críticas a métodos considerados controversos e ao fato de a operação ter ficado personalizada nas figuras do ex-juiz Sergio Moro e de Dallagnol.
A BBC News Brasil entrevistou cinco pesquisadores no Brasil e no exterior, versados no estudo do combate à corrupção há anos. O professor americano Matthew Taylor descreve que hoje há um contexto de resistência contra a Lava Jato, por parte do procurador Augusto Aras, do presidente Bolsonaro e de “Brasília de forma mais ampla”. Nesse cenário, diz Taylor, a saída de Dallagnol e a perda de força das equipes associadas de investigação “parecem significar o fim da Lava Jato, pelo menos da forma que foi conhecida nos últimos seis anos”. Taylor aponta que houve um “enfraquecimento intencional e politização da fiscalização” em órgãos como o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal. Outro fator que revela a intenção de frear medidas anticorrupção em Brasília, conforme o estudioso, é o que ele chama de “batalha árdua” que o ex-ministro Sergio Moro enfrentou.
– Independentemente do que se pense sobre a natureza partidária do trabalho de Moro como juiz, o fato de ele ter enfrentado uma batalha tão árdua para levar adiante reformas anticorrupção e da justiça criminal enquanto estava no Ministério da Justiça também sugere que há uma oposição profunda aos esforços anticorrupção em todos os três Poderes do governo em Brasília – ressalva Taylor. E acrescenta que boa parte dessa oposição é bem justificada pelo receio de dar a promotores poderosos instrumentos que poderiam levar ao abuso de poder. “No entanto, outra parte é claramente autoproteção por políticos que têm a perder se promotores e tribunais se tornarem mais eficazes no combate à corrupção e a ilegalidades no financiamento de campanhas”, assevera.
Um estudo de Taylor, ainda inédito, conforme a BBC News Brasil, mostra que, de quase 1.500 detentores de cargos federais, desde a virada do século, quase 30% estão sendo investigados ou indiciados por crimes, incluindo corrupção. Às vésperas de deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli fez um balanço de sua gestão na sexta-feira no qual declarou que não haveria a Lava Jato se não fosse o STF. O Supremo tomou decisões que contrariam a Lava Jato, como a paralisação de investigações baseadas em relatórios do Coaf e da Receita, após pedido do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. O STF também abriu o caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao derrubar a possibilidade de prisão em segunda instância, medida considerada um dos pilares da operação Lava Jato – nesse caso, o voto de desempate foi do próprio Toffoli. Questionado se decisões do Supremo teriam levado a esvaziamento da Lava Jato, Toffoli respondeu que “o STF, quando decide, o faz porque há abuso, porque aquilo foi contra a Constituição Federal, não contra o combate à corrupção”.
Quanto a Aras, um dos mais recentes episódios em que ele demonstrou publicamente insatisfação com a Lava Jato ocorreu em agosto. O Procurador disse que era necessário “corrigir rumos” no Ministério Público Federal, de modo que o “lavajatismo” deixasse de existir. “Lavajatismo há de passar”, completou o PGR, assegurando que correção de rumos não significa redução do empenho no combate à corrupção. O professor da USP Rogério Arantes acredita que, politicamente, a Lava Jato está no fim, devido a medidas tomadas pelo governo para “desaparelhar” órgãos de investigação, e também por causa da aproximação do governo Bolsonaro com políticos do Centrão. Ele assim resume o raciocínio: “Embora o PT tenha sido o grande alvo, é bom lembrar que veio junto a ideia de que o Centrão fisiológico da política brasileira precisava ser abastecido pela corrupção na Petrobras para que o PT pudesse governar. E o que estamos assistindo, este ano, é a ressurreição desse Centrão pelas mãos do próprio presidente, que não tem interesse que a Lava Jato prossiga e atinja esse núcleo político que pode desestabilizar o pouco que o governo conseguiu de estabilidade política até agora”.