Nonato Guedes
A eleição municipal de 2000 para prefeitos foi, ao mesmo tempo, a “eleição da máquina”, com a adoção da urna eletrônica pela Justiça Eleitoral, a “eleição da reeleição”, dado o expressivo número de prefeitos liberados para concorrer a um novo mandato e “a eleição da Lei da Responsabilidade Fiscal”, o instrumento legal aprovado pelo Congresso para controlar gastos públicos e fiscalizar a execução de obras e serviços por parte de governos em geral no país. Eram os primeiros prefeitos do novo milênio, como a mídia alardeou. E, na Paraíba, a eleição deflagrou, nos bastidores uma “emulação” entre os prefeitos reeleitos de João Pessoa, Cícero Lucena, e de Campina Grande, Cássio Cunha Lima, pela corrida ao governo do Estado em 2002.
Cícero e Cássio tratavam-se como “irmãos”, mais do que como companheiros de partido (estiveram juntos no PMDB e, na sequência, no PSDB). O ”clã” liderado pelo poeta e ex-governador Ronaldo Cunha Lima empenhava-se para lançar Cássio ao governo do Estado já na eleição direta de 98, quando foi atropelado, dentro do PMDB, pelo então governador José Maranhão, que com a morte de Antônio Mariz investiu-se como titular e ganhou o direito de concorrer à reeleição. Foi o que Maranhão fez, valendo-se do controle do diretório regional do partido, que foi testado em acirrados embates internos com o grupo Cunha Lima. O adversário de Maranhão nas urnas a céu aberto acabou sendo o deputado e advogado Gilvan Freire, sem maior expressão política, tanto assim que o então governador foi, proporcionalmente, o candidato mais votado do país ao executivo estadual. Cássio teve que esperar 2002 para chegar ao Palácio da Redenção pelo PSDB, tendo sido reeleito em 2006 e cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral em fevereiro de 2009.
Os caminhos de Cássio e Cícero nunca chegaram a se cruzar de forma direta em campanhas eleitorais. Ao deixar a prefeitura de João Pessoa em 2004, Lucena mirou a conquista de uma cadeira no Senado, que acabou obtendo, em confronto com o empresário e ex-senador Ney Suassuna. Cássio ainda estava ocupado em cumprir missões no Executivo até ser eleito senador em 2010 com mais de hum milhão de votos – um recorde na história política paraibana. No começo de 2000 houve exploração de estremecimento nas relações entre Cícero e o grupo Cunha Lima devido ao apoio político de Maranhão a Lucena e à distensão administrativa do governo do Estado com a prefeitura da Capital. Foram consumidas muitas negociações, em meio a lances de habilidade política, para evitar que rebentasse a cisão entre Cássio e Cícero.
Originalmente Cícero Lucena foi atraído para a disputa política por Ronaldo Cunha Lima, quando este se lançou candidato a governador em 1990 pelo PMDB. Até então, Lucena operava nos bastidores de campanhas memoráveis do partido, sob a orientação do senador Humberto Lucena, que por muito tempo foi o grande timoneiro e conciliador do PMDB da Paraíba. Cícero, que se destacava na construção civil em João Pessoa, foi feito por Ronaldo seu vice e ambos deram combate, sobretudo, ao ex-governador Wilson Braga, que tentava voltar ao governo do Estado e chegou a ir para o segundo turno contra o poeta, amargando a derrota por uma série de fatores, entre os quais o desgaste. Dos 223 prefeitos eleitos em 1996 somente 40 não tentaram a reeleição em 2000. E dos 183 que disputaram, 128 se saíram vitoriosos – ou seja, a grande maioria tentou a reeleição e conseguiu se reeleger a um novo mandato. De 40 que não concorreram à reeleição, 22 fizeram os sucessores e 19 não conseguiram êxito.
Essas informações, definitivamente, pertencem aos anais da História. Cássio e Cícero estão distanciados na atual conjuntura política paraibana. Derrotado na reeleição ao Senado em 2018, Cássio apoia, em Campina Grande, a candidatura do ex-deputado estadual Bruno Cunha Lima, do PSD, partido do prefeito Romero Rodrigues, que está concluindo o segundo mandato e é o condutor do processo dentro do seu esquema de forças, contando, ainda, com o apoio do deputado federal Pedro Cunha Lima. Cícero migrou do PSDB para o PP e disputa novamente a prefeitura de João Pessoa, apoiado, entre outras forças políticas, pelo governador João Azevêdo, do Cidadania. No PSDB, o pré-candidato a prefeito na Capital, deputado federal Ruy Carneiro, é um dos mais agressivos opositores de Cícero, a quem acusa de suposta “incoerência” por ter aceito o apoio do governador João Azevêdo, que já foi ligado a Ricardo Coutinho, antigo adversário de Cícero. O ex-senador Cássio Cunha Lima também criticou Cícero pela aliança feita em 2020. O ex-prefeito de João Pessoa preferiu não alimentar a polêmica com os dois antigos aliados políticos.