Nonato Guedes
Sobre o que se deve refletir hoje, ao ensejo do transcurso de aniversário da Independência do Brasil? O professor Valerio Arcary, em sua coluna no site “Revista Forum” dá uma pista: a reflexão deve ser pautada sobre a infelicidade que, na sua opinião, acomete o povo brasileiro. “O Brasil, neste sete de setembro de 2020, está vivendo um retorno ao padrão de um país periférico, especializado na exportação de alimentos e na extração de minérios. Uma recolonização. Um país triste. Uma nação infeliz”, protesta Arcary, que é titular do IFSP, doutor em História pela USP e já teve militância política na Convergência Socialista, na CUT, PT, estando atualmente vinculado ao PSOL.
Arcary menciona que dois anos nos separam do bicentenário da independência e o Brasil se tornou um país triste. Os graus da nossa dependência externa estão aumentando, não diminuindo. O último mês foi particularmente desolador: a pandemia do coronavírus coloca o país nos primeiros lugares do mundo, proporcionalmente à população, em número de vítimas. O desemprego atingiu mais nove milhões de trabalhadores em seis meses; o retorno de inflação acima de 20% nos alimentos de cesta básica, agrava a tragédia sanitária; as denúncias semanais de jovens negros perseguidos, presos e assassinados em função de um racismo feroz e endêmico que, em escala nacional, aumentou este ano, e a bizarra mobilização de grupos de extrema-direita contra o direito ao aborto de uma menina de dez anos violentada desde os seis anos pelo próprio tio; uma ofensiva da classe dominante para impor uma reforma na Constituição que permita a precarização do funcionalismo público, até a redução nominal de salários, além de privatizações relâmpagos; um padrão crônico de corrupção em todas as esferas, nas prefeituras, governos estaduais, com processos de impeachment, e investigações que se aproximam de Jair Bolsonaro, com a prisão de Fabrício Queiroz, são o contexto de um Brasil infeliz.
Mas, paradoxalmente – ressalta Valerio Arcary – pesquisas informam que somente um terço, ou 33% da população brasileira, enxerga o presidente Jair Bolsonaro como principal responsável pelas mortes provocadas pelo novo coronavírus durante a pandemia. “A premissa de que o desgaste constante de Bolsonaro é a tendência que irá prevalecer inexoravelmente é uma aposta perigosa. O impacto do auxílio emergencial concedido pelo governo, mesmo sendo transitório, deve servir de alerta. Por isso, seria dramático se a esquerda brasileira aceitasse que o horizonte da luta contra Bolsonaro deve ser 2022. Nem sempre os rios correm na direção do mar. O respeito aos limites da alternância pelo calendário eleitoral pode ser fatal. Porque o governo Bolsonaro não é somente um governo de extrema-direita. A ala bolsonarista é neofascista, tem um projeto estratégico e pretende impor uma derrota histórica às organizações dos trabalhadores e dos movimentos sociais populares”, acentua.
O professor analisa que a depressão econômica já resultou em uma década perdida. Dez anos não são dez meses. O PIB não deve voltar ao patamar de 2014 antes de 2024, se voltar. O governo Bolsonaro se beneficia de um apoio amplamente majoritário na classe dominante. Este apoio tem como âncora uma estratégia econômico-social. A inversão da conjuntura teve como alicerce o orçamento de “guerra” que garantiu a distribuição de R$ 250 bilhões para 65 milhões de desamparados. Mas provocou uma disparada do endividamento público – de 72% para, pelo menos, 95% do PIB, sustentada, até agora, pela redução do custo da rolagem dos títulos para 2% ao ano. Mas o perfil da dívida interna está mudando para dívida de curto prazo, o que é perigoso. Nos títulos de cinco anos a taxa já está em 7%. A lei do teto de gastos aprovada em 2017 alimenta a expectativa de que irá prevalecer nos próximos anos uma redução neste perfil dívida/PIB para tranquilizar os capitalistas.
Arcary alerta que a chave é o acordo estratégico com o projeto de Paulo Guedes de um reposicionamento subalterno do capitalismo brasileiro no mercado mundial. O nome desta reinserção, um alinhamento estreito com o governo de Donald Trump e uma dependência do investimento externo para sair da depressão é recolonização. Que significa uma regressão histórica no lugar do Brasil no mercado mundial e, também, no sistema internacional de Estados. A recolonização, conforme o professor, exige uma elevação nas já deterioradas condições de superexploração do trabalho. “Não podemos saber se esta contrarrevolução social pode ou não ser feita no contexto do regime democrático-liberal erguido desde o fim da ditadura. É possível que só seja viável impondo uma derrota histórica à classe trabalhadora. Por isso, Bolsonaro persegue a conquista de um segundo mandato.
A conclusão do professor é que o impeachment de Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer abriram o caminho para as reformas estruturais, começando por um ajuste fiscal sem paralelo na história. Ao mesmo tempo, a prisão de Lula abriu o caminho para a eleição de Bolsonaro. E Bolsonaro abre o caminho para a regressão histórica. Tudo isso sugere estar o país às voltas com uma recolonização, em meio a uma conjuntura desoladora que não oferece perspectivas otimistas no curto prazo. Desse ponto de vista, não há motivos para celebrações patrióticas, ou ufanistas…