Nonato Guedes
O cenário político brasileiro consegue o prodígio de se caracterizar por uma mesmice sem fim, com a repetição de cacoetes, expedientes incoerentes e escassez de contribuição nova, positiva, para aperfeiçoar o sistema de representatividade popular. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), deu sua pitada vulgar de ajuda ao besteirol político fazendo um mea-culpa sobre o instituto da reeleição, que lhe bafejou com a conquista de um segundo mandato em 1998, em meio a denúncias de compra de votos de parlamentares para apoio à medida. “Devo reconhecer que historicamente foi um erro”, afirma, genuflexo, o sociólogo, com a candura de quem está convencido de que não cometeu nenhum ato de corrupção. A reviravolta no discurso do tucano foi estampada em artigo intitulado “Reeleição e crises”, publicado no domingo nos jornais “O Estado de S. Paulo” e “O Globo”.
A proposta de emenda à Constituição (PEC) da reeleição foi aprovada pelo Congresso em 1997 e, na Paraíba, favoreceu o então governador José Maranhão, que se investira como titular com a morte de Antônio Mariz, eleito em 1994. A candidatura de Maranhão abriu dissidência vigorosa dentro do PMDB, com ferrenha oposição do grupo Cunha Lima, capitaneado por Ronaldo, que disputou em convenções o controle do diretório partidário, sendo derrotado pela tropa de choque maranhista. O “clã” campinense desejava emplacar como candidato em 98 Cássio Cunha Lima, o herdeiro do poeta Ronaldo, mas foi ingênuo ao desafiar Maranhão, que comandava a máquina. O adversário de Maranhão acabou sendo o deputado Gilvan Freire. Proporcionalmente, o ex-vice de Mariz foi o governador mais votado do País nas eleições de 98.
A briga dos Cunha Lima não era contra a reeleição em si – mas contra mais um mandato para Maranhão. Tanto foi assim que Cássio, finalmente eleito em 2002, derrotando Roberto Paulino em segundo turno, partiu, resoluto, para disputar a reeleição em 2006, logrando êxito – desta feita contra o próprio Maranhão. Originalmente, a reeleição presta-se a um julgamento do governante que está no poder. Ela tem um caráter de plebiscito sobre o primeiro mandato empalmado pelo gestor – tanto em nível federal como em nível estadual e no âmbito municipal. O problema deriva da desigualdade aparente na disputa, já que o governador-candidato à reeleição permanece à frente do governo, embora sob restrições quanto ao alcance de atribuições legais. Este terá sido o erro do legislador já na origem. A adoção da reeleição devia ter vindo acompanhada da desincompatibilização dos governantes que pleiteassem novo mandato, de forma consecutiva. Ainda hoje a anomalia permanece.
Fernando Henrique diz, agora, que concordou com a reeleição por avaliar que um mandato de quatro anos é pouco para um administrador fazer alguma coisa. Ainda hoje o sociólogo pensa assim. “Tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos. Visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade”, escreve Fernando Henrique agora, posando de bom mocinho. E acrescentou: “De pouco vale desmentir e dizer que a maioria da população e do Congresso era favorável à minha reeleição, que temiam a vitória do Lula”. Para o Fernando Henrique da versão 2020, o Brasil deveria adotar um mandato único mais longo, de cinco anos. E justifica:
– Se quatro anos são insuficientes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo plebiscitário, seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto final.
FHC escreveu essa parte e repousou com a cabeça no travesseiro. Naturalmente estava de consciência limpa. Convém registrar que depois de Fernando Henrique Cardoso foram beneficiados pela reeleição os ex-presidentes petistas Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff (esta não conseguiu concluir o segundo mandato por causa do processo de impeachment que sofreu, na esteira das pedaladas fiscais denunciadas pelo Tribunal de Contas da União). Eleito em 2018 com o discurso de que não tentaria uma recondução em 2022, Jair Bolsonaro já persegue abertamente um novo mandato, como relata o “Congresso Em Foco”. Além da aproximação com o Centrão, grupo de partidos de centro e direita que lhe garantem governabilidade, ele tem realizado viagens ao Nordeste na tentativa de aumentar seu eleitorado.
E assim caminha o Brasil…