Nonato Guedes
Um fato que tem chamado a atenção na campanha eleitoral atípica deste ano para prefeito de João Pessoa é que os chamados expoentes de direita assumem ostensivamente seus perfis na disputa que ganhará fôlego a partir da homologação de todas as candidaturas. Não são apenas pré-candidatos a prefeito, mas, também, apoiadores e líderes políticos identificados com a direita que encampam essa posição sem constrangimento, desafiando eventual censura ou postura de patrulhamento ideológico. Estão convencidos – pelo menos é o que demonstram – que boa parcela do eleitorado praticamente sataniza a esquerda, com seus chavões e tradicionais palavras de ordem. E, por isso, se antes temiam reações virulentas caso pusessem as unhas de fora, agora sentem-se liberados para encenar o carnaval da falsa ideologização política.
O deputado federal Julian Lemos, presidente do PSL no Estado, que insinuou possível candidatura a prefeito de João Pessoa mas acabou anunciando apoio ao vereador licenciado do Solidariedade João Almeida justificou, ontem, ter agido em nome da coerência para firmar apoio àquele nome. “Eu me baseio no social, no liberalismo econômico e no meu perfil conservador”, expressou-se Julian Lemos, didaticamente. O seu PSL contentou-se em indicar o candidato a vice de João Almeida, que passa a ser Carlisson Figueiredo, sem maior histórico de militância política. Julian Lemos foi eleito deputado em 2018 pela Paraíba surfando na popularidade do candidato Jair Bolsonaro, de quem se afastou por divergências com os filhos dele, mas cujo governo continua apoiando na Câmara Federal.
A “nova direita” que marca posição no cenário político-eleitoral em João Pessoa e no Estado é representada, ainda, por pré-candidatos como Raoni Mendes, do Democratas, Ruy Carneiro, do PSDB, Nilvan Ferreira, do MDB. Este chegou, nas últimas horas, a convidar um militar para seu vice. Outros candidatos assumem perfil mais ao centro a exemplo de Cícero Lucena, do PP, remanescente do PSDB, cujo avalista maior é o governador João Azevêdo, ex-PSB, atual Cidadania. Azevêdo, inclusive, é situado por alguns analistas na faixa de centro-esquerda, provavelmente devido à sua passagem pelo Partido Socialista, em que ingressou por instâncias do ex-governador Ricardo Coutinho com quem está politicamente rompido. Julian Lemos advertiu que quem está disposto a ser prefeito deve ter capacidade. “Não podemos entrar numa espiral de aventura ou populismo”, diagnosticou ele.
A saída da direita do “armário” significa claramente uma aposta de um segmento influente das hostes partidárias na reedição do confronto ideológico que pautou a campanha presidencial de 2018, opondo Jair Bolsonaro a Fernando Haddad, o candidato do Partido dos Trabalhadores e de outras forças de esquerda. Subsiste nesse segmento a avaliação de que Bolsonaro triunfou nas urnas porque se apresentou como um candidato 100% direitista, ou, vá lá, anti-esquerdista. Muitos dos que se rotulam como direitistas ou conservadores, a partir do próprio Bolsonaro, não possuem leitura mais sólida sobre o que significa, de verdade, a polarização ideológica, mas ocupam o espaço em oposição ao PT e a partidos assumidamente de esquerda como PSOL ou PCdoB. Para o eleitorado, a mensagem repassada é de cunho maniqueísta, centrada na luta do “Bem” contra o “Mal”. Nesse sentido, é exemplar a definição do tal Carlisson Figueiredo: “Somos direitos e de direita”.
A nova direita, que está infiltrada de forma expressiva no Congresso Nacional e que conta com alguns líderes com razoável poder de argumentação, baseados no Sul-Centro Sul do país, é reforçada, fora do campo político-partidário, pela adesão de influenciadores digitais ou de figuras carimbadas que se destacam em meios de comunicação de massa como a televisão. Espalha-se, também, por fóruns empresariais, desfraldando bandeiras de fortalecimento do capital e de redução do intervencionismo estatal. Há expoentes que compõem o que se convencionou denominar de “núcleo ativo da direita hidrófoba no país” – aquelas figuras radicais, dogmáticas, que tentam se impor no debate não necessariamente pela força de ideias ou de argumentos, mas com base na agressividade, tanto no discurso como no embate físico. É difícil qualificar tais pessoas como “inocentes úteis” ou “bodes expiatórios” de uma estratégia fanática de tomada ou conquista do poder. Mas, não raro, algumas ou muitas dessas figuras acabam descambando para o passionalismo e o confronto sem limites, grávido de provocações ou de bravatas e prenhe de conteúdo filosófico ou pedagógico.
Independente da disputa eleitoral para prefeitos, que entra como penduricalho no processo político em andamento no Brasil, o alegado confronto ideológico que se tem à vista carece de qualificação de debate ou diagnóstico sobre os grandes e verdadeiros desafios do Brasil na realidade contemporânea. Em muitos casos, senão na maioria deles, diga-se a verdade, a “roupagem ideológica” que se tenta vender ao eleitorado é apenas um biombo para tirar proveito ou vantagem numa conjuntura de total indefinição como a que o Brasil atravessa atualmente. Mas a confusão toda ajuda inegavelmente candidatos que não têm absolutamente nada a falar mas que podem chegar ao poder bafejados por táticas de empulhação e manipulação que ainda fazem muito sucesso junto aos incautos. Disputa ideológica na eleição deste ano? Ora, senhores, poupem a inteligência alheia….