Nonato Guedes
Pode ser reflexo ainda da eleição do capitão Jair Bolsonaro a presidente da República em 2018 o fenômeno que se desenha na disputa a prefeito, este ano, sobretudo em capitais: a inflação de militares-candidatos, quer à cabeça de chapa, quer à condição de vice. Quando não são oficiais do Exército, são oficiais da Polícia Militar dos Estados ocupando o papel de agentes políticos, o que induz alguns analistas a acreditarem que também contribui para tal massificação a onda de insegurança generalizada nas localidades brasileiras, com a população em situação duplamente vulnerável por causa da pandemia do novo coronavírus.
Em João Pessoa, os candidatos a prefeito do MDB Nilvan Ferreira e do Democratas Raoni Mendes optaram por apresentar ao eleitorado vices militares, quer do Exército, quer da Polícia, que ganham permissão especial da Lei para ainda se filiarem a partidos, prazo que não vale mais para outros mortais. Nada impede que militares sejam candidatos ou que venham, de fato, a oferecer uma contribuição positiva à administração dos desafios de capitais e cidades brasileiras. O problema está no modismo, acompanhado da falsa crença de que militares são melhores governantes do que civis. Ao comentar essa proliferação, o abalizado jornalista Paulo Santos resumiu, com propriedade, em postagem em rede social: “A cidade não precisa de gente com patente, mas de gente competente”. E mais: “A Esplanada dos Ministérios, em Brasília, está entupida de milicos e o Brasil tem o pior governo de sua história”.
Junto com o modismo de “candidatos militares” dá-se uma competição sobre quem é mais direitista, outro legado que a Era Bolsonaro trouxe para o cenário institucional do país no bojo da polarização com a suposta esquerda que o Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva acredita ter o monopólio de liderar. Como a esquerda caiu em desgraça nas eleições de 2018, excetuadas as honrosas exceções, as forças de direita e de centro julgaram-se donatárias do espólio eleitoral que vai a plebiscito a partir do pleito municipal. Tentam mesmo dar conotação ideológica a confrontos meramente paroquiais. Para tanto, não precisam demonstrar que entendem alguma coisa de ideologia; basta que sejam rotulados como “de direita”. É uma turma que saiu do armário com gana e convicção secreta de que o espaço, agora, é seu, um dado que carecerá de confirmação em cima do resultado do mapa das eleições deste ano.
“A eleição para prefeituras nas capitais nordestinas foi tomada por policiais e profissionais ligados à área da segurança pública”, informou UOL em reportagem sobre os novos xerifes da política, mencionando delegados de polícia, militares da reserva, militares ainda no exercício de atividades, que passaram a cortejar a militância política como um complemento do currículo. Uma particularidade está no fato de que a própria esquerda – habitualmente refratária a militares – surfa na onda para não ficar para trás. Exemplo palpável é o de Salvador, onde o PT aposta fichas na Major Denice, apoiada pelo governador Rui Costa e que terá pela frente um duelo com o vice-prefeito Bruno Reis, do Democratas. Pesquisadores de Universidades lembram que os militares ou pessoas ligadas à questão da segurança já vinham participando das eleições mas com uma predominância mais forte a disputar cargos no Legislativo. Agora, a corrida é diretamente pelo Executivo.
Em João Pessoa, o deputado estadual Walber Virgolino, do Patriota, é delegado de polícia, pré-candidato a prefeito e declara abertamente ter o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), considerando-se, mesmo, o único nessa posição, apesar do mandatário ter declarado enfaticamente que não participará de eleições este ano para não desagradar outros postulantes que também se identificam com sua liderança e com seu governo. Além de explorar a imagem do presidente Bolsonaro com fotos de arquivo em eventos públicos ao lado do atual chefe do Governo, o deputado Virgolino se apresenta como “única candidatura de direita” na Capital paraibana. O eleitorado parece estar mais interessado em conhecer as propostas de Virgolino para questões como a da violência reinante na Capital da Paraíba.
Pode-se alegar que fenômenos assim são sazonais, episódicos, inerentes à dinâmica do processo político, que ora está de um jeito, ora está de outro jeito, dependendo das condições de temperatura e pressão. A militarização de chapas tenta se favorecer do “recall” da imagem de Bolsonaro, que após enfrentar turbulências ganhou alento com a instituição do auxílio emergencial, o chamado “coronavoucher”, que botou no chinelo a lembrança de programas assistenciais de Lula e dos governos do PT como o Bolsa Família. Vale ressaltar que é injustificado o preconceito contra a participação de militares em política. Mas é fundamental prevenir, sempre, que ideias de militares não dão a eles o direito de conspirarem contra a democracia. Até porque estão usando essa democracia para avançar na ocupação de espaços políticos.