Nonato Guedes
O prazo de convenções para indicação de candidaturas à prefeitura de João Pessoa termina hoje e, sintomaticamente, os esquemas da pré-candidata Edilma Freire, apoiada pela máquina municipal, liderada por Luciano Cartaxo (PV), e do pré-candidato Cícero Lucena (PP), apoiado pela máquina estadual pilotada pelo governador João Azevêdo (Cidadania) homologarão chapas na undécima hora do processo legal. Para alguns analistas, essa “coincidência” pode ser sintomática de um prenúncio – o de que o confronto de 15 de novembro deverá ser polarizado entre Cícero, que já foi prefeito por duas vezes, e Edilma, que nunca se candidatou a nenhum cargo eletivo, registrando apenas passagem pela secretaria de Educação da atual gestão de Cartaxo, com quem tem laços de família.
A impressão de um confronto entre Edilma e Cícero tem sido reforçada por alguns fatores que apimentam a projeção da disputa. Um deles tem sido a queda de braço travada nas últimas horas entre os dois esquemas para atrair partidos como endosso logístico à pretensão de candidatura. Isto fez, por exemplo, com que o Republicanos, comandado pelo deputado federal Hugo Motta, abandonasse a coligação de Edilma e reforçasse a candidatura de Cícero. Nos meios políticos, a atração do Republicanos pelo esquema de Cícero foi encarada como reação do esquema do governador Azevêdo à decisão do PDT, de que faz parte a vice-governadora Lígia Feliciano, anunciando apoio a Edilma e oferecendo o nome de Mariana, filha do casal Lígia-Damião (este deputado federal e presidente estadual do PDT) para a vice da candidata do Partido Verde.
A postura de independência do PDT em relação à liderança política do governador João Azevêdo surpreendeu ao próprio chefe do Executivo, conforme recibo que ele passou e desencadeou especulações naturais sobre ruídos na relação entre o governante e sua vice. Azevêdo chegou a falar em precipitação por parte do PDT dos Feliciano, observando que havia ficado agendada uma conversa e que a família pedetista local ignorou esse suposto pré-acerto. Nos meios políticos, afirma-se que desde a Era Ricardo Coutinho (PSB) o clã Feliciano persegue postura expansionista no cenário paraibano, nem sempre sendo levado em consideração ou respeitado com o prestígio que julga deter. Houve quem atribuísse a aliança PDT-PV em João Pessoa reflexos de entendimentos nacionais para 2022, envolvendo presidenciáveis como Ciro Gomes. Mas, na prática, não há linearidade em composições feitas este ano pelo PDT, que, no Recife, por exemplo, se compôs abertamente com o PSB para a prefeitura local. Em todo caso, a independência como marca registrada do “clã” embaralha o processo político paraibano.
Vale lembrar, até por estar bem recente, o episódio em que o ex-governador Ricardo Coutinho maltratou ostensivamente o “clã” Feliciano, manobrando os cordéis nos bastidores para inviabilizar uma candidatura da doutora Lígia à reeleição na chapa de João Azevêdo, quando ambos (Coutinho e Azevêdo eram aliados). Ricardo chegou a justificar que sua decisão de permanecer no cargo até o último dia do mandato devia-se à desconfiança de que o “clã” Feliciano estaria conspirando ou iria conspirar contra ele e seu projeto tão logo Lígia fosse investida na titularidade do governo até o final do período. Para Coutinho, essa ofensiva, se não chegasse diretamente a beneficiar o “clã” familiar do PDT, tinha potencial para prejudicar o projeto de poder assentado na vitória de Azevêdo em 2018, abrindo espaço e flanco para adversários partirem para uma revanche em alto estilo.
Por essa época circulou a informação, nunca desmentida, de que a doutora Lígia Feliciano estaria se articulando nos bastidores do cenário político estadual para, uma vez investida no governo com a renúncia de Ricardo Coutinho, que iria disputar o Senado, candidatar-se ao próprio Palácio da Redenção, valendo-se do direito à reeleição que passaria a adquirir por estar no exercício do poder, e, também, com a caneta nas mãos. Por um dos acasos políticos tal script não se concretizou, já que Ricardo desistiu de renunciar para disputar o Senado, ficou até o fim no governo e preferiu não insistir na frente contra a candidatura de Lígia a vice de João Azevêdo. Aparentemente uma grande reviravolta na postura de Coutinho, então senhor de baraço & cutelo da política tupiniquim. Não, se se levar em conta que em 2014, na undécima hora dos prazos para completar chapa, Coutinho abalou-se a Campina Grande para persuadir Lígia a ser sua vice contra a chapa que foi encabeçada por Cássio Cunha Lima-Ruy Carneiro, lembram?
O “clã” Feliciano, convém registrar, vem demonstrando desenvoltura e sagacidade no jogo político que é travado na Paraíba nos últimos anos – e talvez a própria mídia não tenha lhe dado o reconhecimento mínimo de mérito. Seu estilo de reagir é baseado no cálculo, no pragmatismo e na linha de autonomia que se atribui a cada partido. Consta que até hoje nem Damião nem Lígia foram desautorizados pela cúpula nacional presidida pelo Carlos Lupi por deliberações tomadas no metro quadrado da conjuntura tabajarina. Em relação a Azevêdo, certamente poderá ganhar melhor com Cícero Lucena, que aceitou seu apoio sem restrições em 2020. Mas poderá não sair perdendo de todo se a executiva Mariana Feliciano, por acaso, virasse vice-prefeita de João Pessoa numa chapa encabeçada por Edilma Freire. Resta saber se a dinâmica sinalizará, mesmo, suposta polarização entre Cícero e a candidata de Cartaxo, agora encampada por Lígia e Damião…