A depredação sofrida pela estátua do escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna no Recife causou comoção nas redes sociais. A obra, localizada na rua da Aurora, área central da capital pernambucana, foi vandalizada na madrugada de ontem, 21. E foi também pelas redes sociais que João Suassuna, neto de Ariano, recebeu, com surpresa, a notícia. Apesar disso, João não acredita que tenha sido um ataque à figura do avô, mas lamentou o ataque ao patrimônio público.
Segundo ele, a depredação “é um fato que dói na alma” mas espera que a partir de um ato de vandalismo dessa natureza possa haver aprendizado e reflexão, sobretudo pelo fato de Ariano ser um defensor incomparável da cultura e do povo brasileiro”. A escultura faz parte do Circuito da Poesia do Recife, criado para perpetuar o legado de personalidades ligadas à arte em Pernambuco. A Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) informou ao G1 que a escultura foi depredada e que equipes foram acionadas para verificar a extensão dos danos e providenciar o reparo.
O monumento, de 1,8 metro, foi feito pelo artista plástico Demétrio Albuquerque e inaugurado em 2017. A obra foi instalada em frente ao Teatro do Arraial Ariano Suassuna, na Rua da Aurora, reinaugurado quando ele era Secretário de Cultura de Pernambuco. Além da obra em homenagem a Ariano, o circuito tem monumentos de artistas como os poetas Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, os músicos Chico Science, Luiz Gonzaga e o compositor Capiba. As estátuas do Circuito da Poesia também foram alvo de vandalismo em março deste ano – a de Ariano teve o nariz quebrado e a de João Cabral de Melo Neto teve o nariz e parte do queixo quebrados, além das placas de identificação pichadas. De acordo com a Emlurb, são gastos aproximadamente R$ 2 milhões por ano em recuperação de monumentos, pontes e edificações que sofrem com atos de vandalismo.
Em artigo publicado em redes sociais, o escritor Fabrício Carpinejar lamentou o ato de vandalismo, citando que mesmo quando Suassuna morre, continua apanhando no país, o que é um sinal de que ainda incomoda muita gente. Ele define Ariano como um dos maiores romancistas e dramaturgos doBrasil, autor de “O Auto da Compadecida”. E, referindo-se à depredação, compara: ”Suas mãos estão para trás, absolutamente indefeso, pasmo com a gratuidade da violência”. Carpinejar indaga: “Como alguém pode ser contra a sua literatura? Como alguém pode derrubar uma homenagem a um escritor que nunca fez o mal? Como se indispor com um dos nossos maiores defensores de nosso folclore? Como ferir a história incorruptível de um realista esperançoso que jamais trocou o oxente pelo ok? Ele é o símbolo do amor à cultura nordestina, o avesso da tirania e das representações autoritárias”.
– Se o ato foi proposital, demonstra que entramos na idade das trevas. O pensamento e a arte estão sendo demonizados. Se o ato foi inconsequente e o vândalo nem sabia quem era naquela escultura, experimentamos o apogeu do analfabetismo social. Nenhuma das alternativas traz alívio. Ambas reforçam a ideia de repúdio sem conhecimento de causa, da arrogância sem leitura, da destruição pela destruição. No Brasil, até as pedras inocentes estão ameaçadas. Só me resta concordar com Ariano Suassuna: a humanidade se divide em dois grupos, os que concordam comigo e os equivocados. No rio Capibaribe ao fundo, nos galopes do sonho das águas, eu posso escutar a risada altiva e orgulhosa dele, como que dizendo que as suas palavras ainda incomodam, que sua obra jamais cairá no esquecimento, que há gente que simplesmente não aguenta tanta verdade num único homem”.