Nonato Guedes
Por trás do cerco do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) ao PT paraibano para dar-lhe apoio na pretensa candidatura à eleição de 15 de novembro está uma orquestração com cheiro de acerto de contas da parte dele com remanescentes petistas que há exatamente 20 anos rifaram-no no projeto de ser candidato a prefeito de João Pessoa pela legenda. Numa minuciosa narrativa de episódios turbulentos que marcaram a trajetória do PT na Paraíba desde a fundação, o professor Paulo Giovani Antonino Nunes lembra no livro “O Partido dos Trabalhadores e a Política na Paraíba” que no início de fevereiro de 1999 o deputado Frei Anastácio Ribeiro lançou o nome do colega deputado Ricardo Coutinho para prefeito de João Pessoa durante almoço oferecido pela Comissão Pastoral da Terra aos trabalhadores rurais. Estava começando um pesadelo para o PT.
Confrontada com o lançamento, a direção do PT respondeu que a posição do partido sobre as eleições do ano seguinte somente seria definida após uma ampla consulta interna. Ricardo defendeu que o PT antecipasse as discussões internas sobre o pleito de 2000. “Não é imperativo que o candidato seja eu. Pode ser qualquer um. Mas precisamos nos antecipar porque nem Maranhão nem Cícero têm nada a nos oferecer”, pontuou Coutinho, dissimulando suas ambições. José Maranhão, atual senador, na época era governador – assumira com a morte de Antônio Mariz em 1995 e fora reeleito em 98 derrotando Gilvan Freire, que concorreu pelo PSB. Cícero concluía seu primeiro mandato como prefeito de João Pessoa, ainda filiado ao PMDB, e preparava-se para disputar a reeleição em 2000, o que ocorreu, e para filiar-se ao PSDB, o que também se confirmou.
No encontro municipal de João Pessoa que elegeu a nova direção do partido, presidida por Walter Aguiar, Ricardo foi indicado pré-candidato a prefeito da Capital e na plenária obteve 140 votos a favor e dois contra. Ganhou autorização para discutir alianças com partidos aliados e com movimentos da sociedade. Os aliados de Walter Aguiar não aceitaram o resultado da plenária. Eis o relato do então vereador Luciano Cartaxo: “A plenária foi esvaziada e não teve representatividade. Das 1.200 pessoas que compareceram para votar, apenas 140 ficaram na plenária”. A pressão para antecipação do debate sobre escolha de candidatura do partido a prefeito aumentou e o diretório municipal acatou-a, fixando em dezembro de 99 a deflagração das discussões. Aguiar deixou claro, porém, que a plenária que havia indicado Ricardo não tinha valor legal.
Em dezembro, o PT/JP realizou a I Conferência Eleitoral e decidiu pelo lançamento de uma chapa partidária, com Ricardo para prefeito e um vice também do PT, a ser escolhido. No início de janeiro de 2000, Coutinho foi confirmado como único pré-candidato do PT à prefeitura pessoense – foi quando surgiram problemas na condução da campanha. O diretório municipal definiu a coordenação da campanha mas alguns de seus membros não foram bem aceitos pelo pré-candidato. A imprensa informou que se não fosse mudada a coordenação, Ricardo pretendia dizer quem estava sabotando sua campanha. Depois de disse-me-disse entre Coutinho e Aguiar, acertou-se que o candidato indicaria a coordenação da campanha. Em abril de 2000, Wallene Cavalcanti, membro da executiva do PT/JP, acusou a direção do partido de estar boicotando a candidatura de Ricardo, em especial o vereador Júlio Rafael (já falecido). Ricardo confirmou em entrevista o boicote que sofria de setores do PT, o que foi negado tanto por Aguiar como por Adalberto Fulgêncio, presidente estadual petista.
Em carta entregue à direção municipal, Ricardo devolveu a candidatura, deixando a cúpula liberada para encaminhar a questão de acordo com sua vontade. “Não vamos lutar em vão. Que fiquem com a candidatura. Nós ficamos com a cidadania”, bravateou Ricardo, cuja carta foi aceita pelo diretório municipal por 21 votos a favor, 3 abstenções e nenhum contra. O deputado federal Avenzoar Arruda, apesar de se dizer um dos principais aliados de Coutinho, considerava que a renúncia, além de constituir uma precipitação, sinalizou receio de uma derrota nas urnas. Conforme ele, a candidatura de Cícero Lucena aparecia como a franca favorita, independente do candidato que viesse a ser lançado. “Então, não é verdadeiro o discurso de que com Luiz Couto nós perderíamos e com Ricardo nós venceríamos. Ricardo Coutinho, inclusive, tinha medo de ser candidato e ser ridicularizado na eleição, daí ter passado a exigir coisas que, normalmente, um candidato não exigiria. Acho que ele não queria ser o candidato, tanto é que não se inscreveu, embora houvesse tempo”.
Moral da história? Luiz Couto foi o candidato adotado pelo Partido dos Trabalhadores, mas Ricardo ainda aprontou poucas e boas com o PT, infernizando a vida daqueles que considerava seus algozes. A situação chegou a um ponto que o secretário nacional de Organização do PT Sílvio Pereira (Silvinho Land Rover), veio à Paraíba tentar a pacificação e promover reuniões separadas com os grupos brigões. Ricardo jurou a Silvinho que não renunciara à indicação, apenas entregou a candidatura ao partido e reiterou que só retomaria a candidatura se algumas das exigências fossem atendidas, a partir da reformulação da direção do PT paraibano, sob a chancela da nacional. Ricardo ficou à margem da campanha de Couto e Cícero acabou reeleito.
Há quem diga que a primeira vingança de Ricardo contra o que considerava seus algozes no PT local deu-se em 2004, quando ele finalmente ingressou no PSB, destronou Nadja Palitot do comando e ganhou a indicação para candidato a prefeito, tendo como principal adversário o tucano Ruy Carneiro. Em 2008, novamente pelo PSB, foi reeleito derrotando o candidato do PSDB João Gonçalves. Agora, com pendências na Justiça, arvora-se candidato pelo PSB e tenta obrigar o PT local a apoiá-lo via direção nacional. Não é incrível que Ricardo insista em fazer gato e sapato do PT. Incrível é que o ex-presidente Lula, que tudo sabe, tudo vê, concorde com a manipulação da sua legenda na Paraíba para atender aos interesses subalternos do petista renegado Ricardo Coutinho.