Nonato Guedes
A cúpula nacional do Partido Socialista Brasileiro, através do presidente Carlos Siqueira, está acordando para a realidade que envolve o papel do ex-governador Ricardo Coutinho na conjuntura paraibana e nacional. Ou seja: está se conscientizando de que não vale mais a pena investir num potencial de liderança que Ricardo já não detém. Além de desprestigiado no próprio Estado onde se elegeu ao governo por duas vezes, e também por duas vezes à prefeitura de João Pessoa, Ricardo é um complicador ético para qualquer legenda, sobretudo para o PSB, devido ao seu envolvimento em acusações de desvio de dinheiro público da Saúde e Educação, feitas no âmbito da Operação Calvário. E, fiel ao seu espírito desagregador, põe-se na contramão do PSB ao cortejar o PT na eleição municipal deste ano em João Pessoa. “PSB e PT estão rompidos politicamente”, garantiu Siqueira a jornalistas paraibanos.
O PSB, diga-se de passagem, apostou alto na caracterização de Ricardo como um fenômeno político emergente ou renovador, originalmente forjado na Paraíba mas com possibilidade de espalhar tentáculos pelo Nordeste e, enfim, pelo país. Afinal, foi pela legenda socialista que ele ascendeu ao governo do Estado, credenciando-se, em alguns momentos, como interlocutor respeitável no cenário nacional, num período em que massificava-se a candidatura do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à presidência da República. Ricardo, dizia-se, era pule de dez até para compor chapa presidencial. Evidente que não se chegou a tanto nem o destino quis que Eduardo sobrevivesse até à disputa propriamente dita. Com a morte dele em acidente aéreo e a orfandade tomando conta do PSB, os socialistas miraram em Ricardo como uma opção, mas recuaram à espera da evolução dos acontecimentos.
Coutinho logrou eleger o sucessor na Paraíba, o atual governador João Azevêdo, abriu mão de uma candidatura ao Senado em que aparentemente teria chances de vitória e empenhou-se, inegavelmente, para ajudar a eleger deputados estaduais e representantes federais – neste caso, apostando em Gervásio Maia (eleito deputado à Câmara) e Luiz Couto, do PT, bem votado para uma vaga ao Senado, mas não a ponto de assegurá-la para si. O PSB contabilizou, também, uma expressiva bancada na Assembleia Legislativa, em cuja eleição misturou-se o prestígio dos próprios candidatos ou candidatas com a influência colateral do então governador Ricardo Coutinho. Esse patrimônio foi praticamente jogado fora quando Ricardo deixou o poder, em 31 de dezembro de 2018.
Enciumado com o tropismo natural em demanda à liderança do governador João Azevêdo, com quem nunca admitiu dividir espaços, devido ao traço personalista de seu perfil, o ex-governador Ricardo Coutinho cuidou de destruir, como um iconoclasta, o sistema de forças que havia contribuído para construir. A gota d’agua foi a sua decisão de intervir no diretório regional do PSB, destituindo, “manu militari”, a Comissão Executiva que era presidida por Edivaldo Rosas, que passou a ser secretário do governo de João Azevêdo. O passo seguinte seria o esvaziamento dos quadros parlamentares com processos de cassação de mandatos ou punição disciplinar em casos comprovados de desobediência ou infidelidade. Esses casos, contrariando a lógica de Ricardo, não se materializaram. Deputados ficaram no “jiqui” do PSB para não perderem mandatos, mas hipotecaram apoio ao governo de João Azevêdo, que se propunha de “continuidade” do modelo posto em prática na Era Ricardo.
O resultado é que a liderança de Ricardo foi se esfarelando dentro do próprio PSB. Agindo em tempo hábil, o governador João Azevêdo providenciou a sua desfiliação do partido pelo qual se elegera, invocando justa causa que foi o processo de intervenção decretado por Ricardo e referendado pela direção nacional socialista. Azevêdo tornou-se a principal estrela do partido “Cidadania”, e se não pôde ainda promover filiações em massa de deputados socialistas à legenda onde atua, certamente conta com o apoio e os votos favoráveis dos parlamentares a matérias encaminhadas à Assembleia Legislativa. Na prática, o crescimento do PSB no Estado como que empacou. Ricardo foi premiado pela cúpula nacional com a presidência da Fundação João Mangabeira, mas esta foi uma prebenda que custou caro diante do envolvimento do ex-governador em escândalos apurados no âmbito da Operação Calvário.
A impressão que reina é a de que Ricardo se distancia cada vez mais do PSB ou se isola do partido onde encontrou refúgio quando foi praticamente expulso do Partido dos Trabalhadores no começo dos anos 2000, tendo como pano de fundo a luta pela indicação de candidatura a prefeito da Capital. Num movimento inverso e, em princípio, desprovido de lógica, Coutinho encontra amparo no PT, cujo diretório nacional agiu para oficializar a coligação em torno de sua pré-candidatura a prefeito de João Pessoa este ano, desautorizando o diretório municipal que encampou a candidatura própria de Anísio Maia em aliança com o PCdoB. Diz-se que o apoio a Ricardo pela cúpula nacional petista é dívida contraída quando da solidariedade do ex-governador ao ex-presidente Lula, no episódio da prisão deste, e à ex-presidente Dilma Rousseff, no episódio do impeachment desta.
De concreto, Ricardo protagoniza cenas de puro surrealismo político envolvendo cabeças coroadas da política nacional. É pena que no seu próprio Estado, mais precisamente no reduto de origem da sua militância política, o prestígio esteja em baixa por causa dessa tal Operação Calvário, que volta e meia pega no pé de Coutinho, literalmente. Enquanto isso, PSB e PT se revezam na dura missão de carregar nas costas um político que já foi líder e tinha moral para deitar lições na conjuntura paraibana e nacional.