Nonato Guedes
Oficialmente começa hoje a campanha eleitoral de 2020, com liberação de atos e propaganda de candidatos a eleições majoritárias (prefeitos) e proporcionais (vereadores). Será a eleição mais diferente de que se tem notícia na história do Brasil, por causa do reflexo de medidas sanitárias que continuam sendo tomadas para o enfrentamento à pandemia do coronavírus. O reflexo mais comentado é o da proibição de aglomerações, através de comícios ou carreatas, como estratégia para evitar a disseminação do contágio da doença. Afinal, as autoridades de Saúde Pública têm sido pródigas e repetitivas no refrão que adverte a população para o fato de que a crise da Covid-19 não passou e nem há, ainda, prognóstico sobre vacinas para imunização das pessoas.
Não há garantia de que seja obedecido o rigor para evitar aglomerações. Autoridades sanitárias mencionam como exemplos os episódios estarrecedores verificados em inúmeras convenções que foram realizadas dentro dos prazos previstos em lei para homologação de candidaturas. Houve, por assim dizer, em muitas localidades, um verdadeiro estouro da boiada, no rastro da flexibilização de medidas econômicas que já havia possibilitado a reabertura de estabelecimentos comerciais, industriais, parques esportivos, áreas de lazer, etc. Claro, houve exceções, aqui mesmo, em João Pessoa, com soluções criativas para atrair públicos razoáveis às convenções sem o descumprimento das recomendações de prevenção, que incluem o uso de máscaras faciais. Mas a tentação de desobediência às normas é um perigo recorrente.
É fundamental registrar todo o empenho da Justiça, configurada no Tribunal Superior Eleitoral e nos Tribunais Regionais Eleitorais, para assegurar a realização do pleito deste ano, com alternância de mandatos em Capitais e municípios dos mais diferentes Estados e localidades. Afinal de contas, houve um lobby massacrante de prefeitos e vereadores para pressionar deputados federais e senadores a se sensibilizarem com a proposta de prorrogação dos atuais mandatos por dois anos, verificando-se o cancelamento do pleito originalmente fixado para outubro. O argumento invocado, além da conjuntura de crise sanitária, passível de agravamento, foi um velho conhecido: o pretexto da coincidência de eleições, promovendo-se, em 2022, eleições gerais, de presidente da República a vereador em Coxixola na Paraíba.
Essa teoria velhaca, da coincidência de eleições, volta e meia ganha corpo no horizonte político nacional, atraindo oligarcas políticos que preferem a obtenção de mandatos graciosos, verdadeiras sinecuras do serviço público, do que a conquista legítima de cargos ungidos pela bênção das urnas que constituem expressão do regime democrático. E é de se notar que houve espaços, sim, para que a prorrogação fosse enfiada goela abaixo do eleitor, travestida de casuísmo indispensável para ajustar o calendário – este, um desideratum que, de verdade, nunca foi plenamente alcançado. O TSE ergueu poderosa muralha contra a teoria da prorrogação, recorrendo, nesse sentido, a especialistas em Direito Eleitoral e, em outra vertente, a especialistas em Saúde Pública, para aferir a temperatura das emoções que poderiam vir à tona na hipótese de manutenção das eleições este ano.
Os estudos técnicos criteriosos, respaldados por avaliações científicas, projetaram os espasmos da curva da epidemia do coronavírus no Brasil e reforçaram o consenso que já se firmava em áreas respeitáveis quanto ao adiamento das eleições, não ao seu cancelamento puro e simples, que abriria folga para a proliferação da estúpida prorrogação dos mandatos. Do mês de outubro o calendário para viabilizar o pleito foi remarcado para novembro, em dois turnos, em datas que conciliam exigências da Lei com recomendações de autoridades de Saúde Pública sobre prevenção contra o risco de contaminação por Covid-19. Assim foi consensuado e assim foi pactuado entre lideranças políticas no Congresso, finalmente imbuídas de bom senso capaz de impedir expedientes violentos, anti-democráticos.
O teste mais complexo começa agora, com o desenrolar da campanha propriamente dita, e sua sujeição a modelos de distanciamento social. Trata-se de conciliar o recurso inevitável a normas restritivas com o empoderamento, pela população, da informação sobre as propostas que os candidatos têm apresentar sobre como administrar cidades como João Pessoa, a capital da Paraíba, no pós-pandemia. O desafio maior é o de impactar o eleitorado com fórmulas sobre como devolver a normalidade dentro da realidade que se impôs, com mudança de hábitos e costumes associados ao próprio dia a dia das pessoas comuns.
Mais do que nunca, as localidades brasileiras necessitarão de futuros administradores que sejam basicamente cuidadores de pessoas, no sentido de exercitarem ao máximo os gestos e as políticas públicas de solidariedade efetiva para compensar, minimamente, os danos que têm sido sofridos na pele por amplas camadas da população, indistintamente. Os novos prefeitos, mesmo os que sejam reeleitos, terão que reinventar práticas administrativas, formas de gestão, e estabelecer normas utilitárias de cooperação, além de contribuir para a retomada da autoestima de populações que chegaram a ficar à deriva em momentos críticos, calamitosos, da pandemia que sobreveio de inopino. Quem tiver sensibilidade no “pós-guerra” terá um passaporte para se credenciar a papéis importantes na gestão pública eficiente, que nunca como agora se tornou tão urgente e imperiosa no Brasil.