Nonato Guedes
Uma reportagem da revista “Veja” destaca que as eleições municipais deste ano têm candidatos na cadeia, outros enrolados com a Justiça e “outros despropósitos”. O ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, que disputa a prefeitura de João Pessoa pelo PSB e briga na Justiça para “amarrar” o apoio oficial do PT, é citado como alvo da Operação Calvário, que apura o desvio de 134 milhões de reais na saúde e educação no Estado, com o adendo de que ele está impedido pela Justiça de sair de casa após as 20 horas, uma das medidas cautelares que lhe foram impostas. A punição inviabilizou a presença do representante do PSB no primeiro debate envolvendo a disputa na Capital paraibana no último dia 17 na TV Arapuan.
Apesar das implicações judiciais que cercam a sua figura, o ex-governador socialista é apontado na matéria da “Veja” como um candidato competitivo para o pleito de novembro, e alianças importantes teriam sido construídas ao redor do seu nome – uma referência à manifestação de apoio do diretório nacional do PT à sua candidatura em detrimento da candidatura própria do deputado Anísio Maia. A questão está, atualmente, judicializada, a partir da esfera do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, com possibilidade de apelação ao tribunal Superior Eleitoral. Diz “Veja” que a “rocambolesca história” envolvendo Coutinho é só uma entre tantas outras, ligando gente enrolada com a Justiça mas que almeja o voto do eleitor.
Um outro caso exemplar mencionado é o do Rio de Janeiro, que já acumula um histórico conturbado recente na política. Vinte anos depois de ter candidato à prefeitura carioca pela última vez, o PTB achou que seria o caso de indicar a ex-deputada Cristiane Brasil, filha do cacique da legenda, Roberto Jefferson. Logo depois de ter sido escolhida, ela foi presa por suspeita de corrupção em contratos de assistência social no governo e na prefeitura. Após ter ao menos dois recursos negados, segue na cadeia, o que obrigou uma mudança em caráter de emergência: o postulante a vice, Fernando Bicudo, trocou de posição na chapa com Cristiane. Ele é velho conhecido de Jefferson. Em 2016, o cacique do PTB queria que o amigão fosse candidato a vereador para “puxar votos” mas uma condenação pelo Tribunal de Contas da União enquadrou Bicudo na Lei da Ficha Limpa e ele não pôde concorrer. Aliados de Cristiane dizem que a troca recente foi motivada muito mais por questões práticas, como a dificuldade de despachar com uma candidata na cadeia e possibilidade de ficar fora dos debates na TV, do que pelo desgaste de imagem. “Ela é uma injustiçada que está presa e é vice. Quem vai ser o prefeito sou eu”, diz Bicudo. No entanto, ela pode reassumir a cabeça de chapa até vinte dias antes do pleito, caso Bicudo renuncie.
Cristiane não é a única enrolada na disputa do Rio. Neste mês, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) foi alvo de operação que apura um “QG da propina” em sua gestão. Depois, o TRE-RJ o condenou por unanimidade por abuso de poder e o tornou inelegível até 2026. Mesmo assim, recursos podem dar a ele o mesmo benefício obtido pelo seu rival Eduardo Paes (DEM), declarado inelegível pelo Tribunal Regional Eleitoral em 2017 e candidato ao governo em 2018 com base em uma liminar. Paes também foi alvo de busca e apreensão neste mês, embora nenhuma acusação contra ele tenha sido comprovada. Situações assim, conforme a revista “Veja”, representam uma grande decepção para quem esperava que a recente onda de protestos contra a corrupção, o endurecimento da legislação e o cerco imposto pela Operação Lava-Jato depurassem os processos eleitorais, trazendo uma melhoria da qualidade dos postulantes a cargos públicos.
Há ainda quem enfrente o risco inusitado de impeachment no atual mandato enquanto faz campanha para obter o novo. É o caso do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), que tem pela frente um sexto pedido de cassação, acusado de uso indevido de recursos da saúde em publicidade. Com poucos votos na Câmara, o tucano afirma que as ações anteriores foram rejeitadas por “vergonha” dos vereadores e atribui os processos a articulações que envolveriam o vice Gustavo Paim (PP), rompido com ele e também candidato. “O plano era para me tirar do pleito em trinta dias”, acusa. O jogo sujo da política parecia estar com os dias contados com a criação da Lei da Ficha Limpa em 2010, mas uma decisão de setembro do TSE criou uma brecha que beneficia os “fichas-sujas”, levando em conta prazos reformulados por causa da pandemia do coronavírus. Assim, abriu-se de vez a porteira para a passagem da “chapa dos enrolados”, conclui a revista “Veja”.