Nonato Guedes
Com o pleno aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o PT nacional interfere no diretório municipal de João Pessoa, sacrifica uma candidatura legítima, de raiz, como a do deputado estadual Anísio Maia, a prefeito da Capital, apenas para atender a um “capricho político” do ex-governador Ricardo Coutinho, que é filiado ao PSB e que precisa desesperadamente do tempo de exposição na mídia (rádio e televisão), a fim de compensar suas limitações para se defender das acusações de desvio de verbas na Saúde e Educação do Estado, conforme apontado pela Operação Calvário. O apoio a Ricardo, protocolado pela presidente nacional petista Gleisi Hoffmann, contradiz uma orientação do próprio Lula para o lançamento do maior número de candidaturas do partido em Capitais e cidades médias, como tática de fortalecimento da legenda, preparando-a para o embate de 2022, na campanha contra a reeleição de Bolsonaro.
Ricardo já foi uma figura amaldiçoada nas fileiras petistas por causa do seu personalismo, o que lhe custou, em 2004, a perda da indicação para candidato da legenda à prefeitura pessoense. Foi acusado, também, de infidelidade partidária, devido a posicionamentos assumidos que não coadunavam com a linha doutrinária-programática do Partido dos Trabalhadores, pelo qual se elegera vereador e, na sequência, deputado estadual como representante de João Pessoa. Obcecado pela ideia de ser candidato e convencido de que a grande oportunidade seria aquela (único ponto em que tinha razão), Ricardo “melou” o processo, tumultuou o ambiente nas hostes petistas paraibanas e acabou se desfiliando da agremiação. Foi eleito, ainda em 2004, pelo Partido Socialista, depois de atrair, com sua lábia, expoentes da legenda em Pernambuco como os falecidos Miguel Arraes e Eduardo Campos, junto a quem dispôs de espaço para golpear a liderança idealista da ex-deputada Nadja Palitot no comando da legenda na Paraíba.
Vitorioso, Ricardo governou preferencialmente com um grupo sem maior expressão a que denominou de “Coletivo”, dentro da estratégia de falsear sua imagem como um democrata que descentralizava decisões ou dividia atribuições. Na verdade, a representação maior do “Coletivo” era o grupelho que estava a serviço dos interesses de Ricardo, agentes políticos instrumentalizados como “tarefeiros” incumbidos de oxigenar a legenda e prepará-la para conquistas mais ambiciosos, como o governo do Estado. Em 2010, Coutinho fechou o “script” indo atrás do ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB) para fecharem uma aliança com vistas a derrotar José Maranhão (PMDB). O acerto funcionou, Maranhão enfrentava desgaste como “tríplice coroado” à frente do governo do Estado e Coutinho foi, finalmente, entronizado com pompa e circunstância nos salões do Palácio da Redenção.
Ali, deitou projeto de mando por exatos oito anos, cumpridos ao pé da letra, uma vez que em 2018, sob alegação de que não confiava no grupo da vice-governadora Lígia Feliciano (PDT), permaneceu no cargo até o último dia, rejeitando os apelos para concorrer a uma cadeira ao Senado, que parecia reservada para ele. Ricardo disfarçou, de forma hábil, o que havia por trás do projeto de poder concebido e que o levou a não arredar pé do Palácio ou da Granja Santana: um esquema de desvio de recursos públicos e de recebimento/pagamento de propinas, com responsabilidade atribuída pelo Ministério Público a uma organização criminosa, envolvendo ex-secretários e colaboradores das duas gestões empalmadas pelo “socialista” à frente do governo do Estado. Enquanto desviava a atenção da opinião pública com a campanha eleitoral que elegeu João Azevêdo o seu sucessor, ele avançava, lépido e fagueiro, pela construção da própria fortuna. Hoje, é o candidato mais rico à prefeitura da Capital, entre os que declararam bens à Justiça Eleitoral, segundo foi tornado público oficialmente.
Fora do poder, sem instrumentos de coação a seu dispor e, ainda por cima, enfrentando um vasto contencioso que passou a ser desbaratado pelas autoridades no bojo da Operação Calvário, Ricardo logra obter registro no próprio PSB para concorrer novamente à prefeitura, dentro da lógica de readquirir espaços mínimos de poder para tentar voltar em alto estilo ao governo estadual em 2022, derrotando João Azevêdo, a criatura que ele contribuiu para eleger há dois anos. Essa é uma vingança maligna, concebida com engenho e astúcia por Ricardo, que driblou o fantasma do isolamento político a que estava condenado apelando para gestos de retribuição do ex-presidente Lula da Silva à solidariedade que lhe emprestou quando ele era um presidiário recolhido à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. A permuta, em princípio, deu certo, e Ricardo pode desfilar com um petista a tira-colo como seu vice(Antônio Barbosa), esperando que a Justiça desfaça a convenção legítima que homologou a candidatura própria de Anísio Maia e a coligação com o PCdoB.
O aval de Lula à orquestração personalista e gananciosa do ex-governador Ricardo Coutinho é a comprovação de que o PT pratica uma democracia de fancaria e que não tem, realmente, compromisso com a opinião pública, muito menos respeito à militância que Lula tanto adulou em sucessivas e cansativas campanhas para chegar à presidência da República. Se for defenestrado da condição de candidato do PT a prefeito, restará ao deputado Anísio Maia, em nome da decência, deixar o partido que lhe terá virado as costas num momento decisivo para a história política de João Pessoa e do próprio Estado. Não agindo assim, será cúmplice com a vocação caudilhesca do ex-presidente Lula e a infiltração sub-reptícia de Ricardo numa legenda por cuja destruição o filiado renegado se empenhou. É o que está em jogo, e salta à vista, nesse quiproquó.