Nonato Guedes
Vamos combinar que a primeira pesquisa do Ibope para a TV Cabo Branco sobre intenções de votos para a prefeitura de João Pessoa foi tão atípica quanto a campanha eleitoral em andamento, cheia de medidas restritivas por causa da pandemia do coronavírus. Afinal, o registro de um empate técnico entre quatro candidatos teoricamente bem posicionados não é usual, ou pelo menos, não é praxe no histórico de levantamentos de disputas eleitorais análogas – quer em João Pessoa, quer em outras localidades do país. E, para completar, a elevação para quatro pontos percentuais da margem de erro do cálculo de tendências, para mais ou para menos, demonstra insegurança quanto a critérios aritméticos mais exatos. É como se o Ibope procurasse revestir seus resultados de condições absolutas de prevenção ao contágio de erros crassos de aferição de tendências.
Em última análise, foi a introdução da margem de erro de quatro pontos percentuais que contribuiu para que uma provável polarização entre dois nomes, na largada, fosse diluída, espalhando-se as intenções de votos por mais dois outros nomes. A couraça, enfim, pareceu assegurada. O problema é que é elástica a diferença de oito pontos percentuais entre um candidato e outro, como consta na pesquisa, para que se possa considerar empate dentro da margem de erro. Sejamos diretos: o Ibope informa que o candidato Cícero Lucena, do PP, tem 18% das menções, enquanto Wallber Virgolino, do Patriota, conta com 10% das intenções de voto. No meio dos dois, Ricardo Coutinho, do PSB, desponta com 12% e Nilvan Ferreira, do MDB, aparece com 15%. Não houvesse tanto rigorismo metodológico, estava evidenciado que o páreo é polarizado, a dados de hoje, por Cícero e Nilvan Ferreira, ficando Ricardo Coutinho em terceiro lugar e Virgolino em quarto, com os 10%. Por pouco, Ruy Carneiro, do PSDB, não entra no “primeiro grupo”, com seus 7%, que lhe colocam pelo menos quase empatado com Wallber Virgolino.
A conjuntura não está sendo fácil para ninguém, e se complica, mais ainda, quando está em jogo um processo de disputa eleitoral que este ano bateu recorde de candidaturas a prefeito em João Pessoa – cerca de quatorze (eram quinze). Mas, para além de ensaios de coreografia da mídia ou de institutos especializados, que têm o condão de influir direta ou indiretamente no processo eleitoral, malgrado o descrédito experimentado em outras épocas devido a falhas palmares de amostragem, o que chama a atenção é o fôlego do candidato Cícero Lucena na corrida para a maratona de 15 de novembro. Vejam bem: ele foi prefeito da Capital por duas vezes, na primeira elegendo-se em 1996, na segunda reelegendo-se em 2000. Enfrentou denúncias de envolvimento arroladas na Operação Confraria, e, ainda quando senador, conseguiu desmontar uma a uma as acusações. Ultimamente, estava com pendências no Tribunal de Contas da União, sanáveis ao custo de regularização técnica-contábil. Havia um “recall” desfavorável a Lucena, pelo menos teoricamente ou na opinião dos adversários políticos.
A primeira pesquisa do Ibope apontou que a rejeição atribuída a Cícero é de 30%, o que é expressivo, mas a do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), que deixou o Palácio da Redenção em 2018, beira os 43%, mais expressiva ainda. No cômputo geral, pesados e medidos fatores prós e contras, Cícero é caudatário de uma vantagem, pois, indiscutivelmente, é o líder da corrida à sucessão de Luciano Cartaxo, com 18% das preferências, enquanto Coutinho empaca na faixa dos 12%. O ex-senador do PSDB, que migrou para o PP e voltou repaginado à disputa pela prefeitura de João Pessoa demonstra que detém, ainda, espaços substanciais de penetração junto a eleitores da Capital, principalmente situados em comunidades periféricas, nas quais sua administração investiu. Se a eleição fosse hoje, ele emergiria das urnas como vencedor do primeiro turno, dividindo o segundo com Nilvan Ferreira. Simples, assim. Ou não?
Cícero, aparentemente, incorpora ao seu universo próprio de eleitores os eleitores órfãos do casal ex-governador Wilson Braga e deputada Lúcia Braga, falecido este ano, como consequência da epidemia de Covid-19. Wilson e Lúcia revezaram-se por bastante tempo no monopólio de espaços de penetração junto a camadas mais pobres da população pessoense. Ele conseguiu se eleger com folga à prefeitura, embora tenha se demorado pouco tempo lá, obcecado que estava pela ideia de voltar ao governo do Estado em 1990, o que não conseguiu. Ela ficou impedida uma vez de ser candidata em que parecia franca favorita à prefeitura de João Pessoa e, em outra, foi derrotada pelo próprio Cícero Lucena. Não é que Cícero seja herdeiro direto do braguismo – pelo contrário, eram adversários políticos viscerais. Mas ele se fez destinatário do espólio decorrente da ausência do casal ilustre. E alguns, ou muitos, desses votos, talvez carimbem o percentual divulgado pelo Ibope.
Esta é uma eleição que começa em aberto, na capital paraibana, o que não impede que haja um favorito (Cícero) nem que haja campo para reviravoltas, com o sobe e desce, isto é, a ascensão de uns em detrimento de outros. Lucena é apoiado pelo governador João Azevêdo (Cidadania) que se desvinculou da costela política de Ricardo – e este é um dado novo, pelo menos para sinalizar que há reforço na logística do ex-senador tucano. Na dúvida, para quem não trabalha com achismos nem aposta de primeira, mesmo no escuro, vale aguardar uma segunda rodada, do mesmo Ibope, para conferir a quantas andou o mecanismo de ausculta das tendências populares. Para quem não quer brigar com fatos, resta reconhecer que Cícero detém fôlego invejável e que Ricardo não conseguiu unir, pelo contrário, só fez dividir a já dividida esquerda, no universo político pessoense. Ricardo parece um andarilho sem rumo na geografia urbana da antiga Felipéia de Nossa Senhora das Neves, que ele tanto conhece.