Nonato Guedes
A operação Lava Jato serviu ao capitão Jair Bolsonaro quando ele foi candidato a presidente da República e precisou fantasiar-se de paladino contra a corrupção no governo para fazer contraponto direto a gestões pilotadas pelo Partido dos Trabalhadores, mais precisamente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à ex-presidente Dilma Rousseff. O candidato “outsider” de 2018 ao Palácio do Planalto buscava desesperadamente um mote para forrar seu discurso e viabilizar a polarização contra o PT, na época vivendo seu inferno astral com as denúncias remanescentes, do mensalão ao petrolão, passando pelas pedaladas fiscais atribuídas a Dilma pelo Tribunal de Contas da União.
A Lava Jato, então, caiu como uma luva no colo de Bolsonaro, que na própria campanha acenou com o desejo de contar com o ex-juiz emblemático da operação Sergio Moro na sua equipe a fim de viabilizar o combate oficial e sistemático à tal erva daninha. Houve muito jogo de cena por trás de tudo isso, porque a verdade é que Moro não teve autonomia à frente do ministério da Justiça e Segurança Pública para levar à frente a ofensiva contra a corrupção. Coincidiu que, por esse tempo, já presidente, Bolsonaro tomou a iniciativa de se aproximar do “Centrão”, agrupamento conservador e fisiológico, com o qual trocou cargos e verbas por apoio político, reeditando a tradicional política do “é dando que se recebe”. A saída de Sergio Moro do governo foi o primeiro sinal de alerta de que a coreografia do combate à corrupção estava começando a ser desmontada.
Numa cerimônia quarta-feira última, o presidente da República enriqueceu seu besteirol dizendo que acabou com a operação Lava Jato porque não existe mais corrupção no governo. O presidente parece querer fazer de idiotas os brasileiros, inclusive os que votaram nele por acreditar que havia algum pingo de sinceridade nas propostas encampadas na campanha eleitoral. Há nichos de corrupção, ainda graves, em esferas da vida pública brasileira – e o próprio governo de Bolsonaro não está imune a apurações circunstanciadas que venham a ser feitas. Enquanto doura a pílula buscando sensibilizar os incautos, o governo vai deixando passar a “boiada”, sem qualquer transparência nem compromisso mais sério. Aliás, os procuradores que integram a força-tarefa da Lava Jato, em nota que rebateu as palavras de Bolsonaro, foram taxativos:
“O discurso reforça a percepção sobre a ausência de efetivo comprometimento com o fortalecimento dos mecanismos de combate de corrupção”. Na nota, os integrantes do Ministério Público Federal recrutados para a força-tarefa no Paraná apontam o desconhecimento por parte do presidente da República sobre a atualidade dos trabalhos da Lava Jato, considerando isto profundamente lamentável. Eles sustentam: “A Lava Jato é uma ação conjunta de várias instituições de Estado no combate a uma corrupção endêmica e, conforme demonstram as últimas fases dos trabalhos, ainda se faz essencialmente necessária”. Na mesma data da declaração infeliz do presidente foi deflagrada a septuagésima sexta fase da operação, com apreensão de quase R$ 4 milhões em espécie em endereços de investigados pela prática de delitos contra a Petrobras.
Ou seja, os dutos que disseminam a corrupção por dentro da estrutura do serviço público brasileiro continuam ativos, em estado de expectativa diante de qualquer brecha que venha a possibilitar desenvoltura na prática de desvios de recursos públicos, como nos tempos recentes da história política e administrativa brasileira. Deixam claro os integrantes do Ministério Público: “O apoio da sociedade, fonte primária do poder público, bem como a adesão efetiva e coerente de todos os Poderes da República, é fundamental para que esse esforço continue e tenha êxito. Os procuradores da República designados para atuar no caso reforçam o seu compromisso na busca da promoção da justiça e defesa da coisa pública, papel constitucional do Ministério Público, apesar de forças poderosas em sentido contrário”.
O presidente Jair Bolsonaro presta um tremendo desserviço à democracia brasileira e ao seu próprio governo quando minimiza o impacto da permanência de focos de corrupção. Ao invés de estimular o esvaziamento da força-tarefa da Lava Jato e de outros mecanismos legais eficientes no combate à erva daninha, Bolsonaro deveria reafirmar compromisso firme e decidido com a eliminação dos resíduos de atos que implicam no saque ao erário público no Brasil. A imagem do país no exterior é a pior possível, desde a omissão do governo atual no enfrentamento correto à crise sanitária provocada pelo coronavírus. Ultimamente tem se agravado com as imagens chocantes de queimadas em florestas, colocando-se em risco o meio ambiente num país que vinha começando a se comprometer com pautas ecológicas relevantes. Agora, sem combate à corrupção, abre-se a porteira para a mais vasta impunidade. Em termos de discurso ou de bandeira, o presidente deve investir tudo no assistencialismo do coronavoucher, que já caiu de R$ 600 para R$ 300. Mas é o que lhe resta para tentar manter a fidelidade de bolsões dependentes do poder público e, com isso, sobreviver politicamente.