Nonato Guedes
Uma das razões pelas quais o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) se motivou a concorrer às eleições deste ano a prefeito de João Pessoa foi a perspectiva de viabilizar em torno do seu nome uma “Frente de Esquerda”, que atraísse o Partido dos Trabalhadores e outras legendas situadas nesse arco ideológico. Afinal, as projeções sinalizavam que a despeito do caráter acentuadamente local do pleito, haveria um corte na lógica cartesiana dominante capaz de possibilitar a eclosão de um plebiscito do governo do presidente Jair Bolsonaro e, na sua esteira, da ideologia de direita que o capitão procura encarnar com um ardor poucas vezes notado na crônica de presidentes da República no Brasil. Infelizmente, a ideia de “Frente” não prosperou, ficando confinada ao papel. Não houve avanço, sequer, em grandes centros, que são tidos como referências nacionais, em entendimentos nessa direção.
Tome-se o caso da disputa pela prefeitura de São Paulo, capital onde o PT e outras forças de esquerda têm raízes profundas mas que abre espaços, também, para a direita em suas variações – quer com o governador João Doria, liderando grupo que já há algum tempo tenta desfigurar a baliza de centro-esquerda que inspir0u a fundação do PSDB, quer com remanescentes do bolsonarismo, como a deputada federal Joice Hasselmann, encarapitada no PSL, sigla que deu régua e compasso para a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018 e da qual ele se afastou em meio a divergências de extração personalista. Há outros agrupamentos de direita sem maior expressão ou densidade mas certamente gravitando na órbita do presidente Bolsonaro e suas ideias conservadoras. A esquerda, em São Paulo, ameaça levar um tombo nas urnas, justamente por ter partido fragmentada para a disputa deste ano. A direita bolsonarista e a centro-direita engalfinham-se para monopolizar o cenário.
A definição sobre a união das esquerdas em São Paulo era aguardada com grande expectativa no resto do país, pelo caráter pedagógico que poderia oportunizar no campo das alianças. Todavia, essa hipótese voou pelos ares a partir do momento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de volta aos grandes embates políticos-eleitorais, optou por ser intransigente no controle da cabeça de chapa pelo PT, como alegada estratégia de reabilitação de espaços e preparo de retaguarda para as eleições presidenciais de 2022, em que Lula ambiciona participar, equacionadas pendências com a Justiça. Lula agiu diretamente em São Paulo para viabilizar a candidatura própria de Jilmar Tatto a prefeito, talvez acreditando na persistência da “teoria do poste” que o levou, quando presidente da República, a eleger Dilma Rousseff sua sucessora em 2010.
Tatto, nem de longe, se assemelha a um fenômeno político, muito menos pode ser tomado de empréstimo para efeito de comparação com a ex-presidente Dilma Rousseff e mesmo com as circunstâncias em que ela disputou o Palácio do Planalto pela primeira vez, tornando-se a primeira mulher eleita para a suprema magistratura da Nação. Havia campo de manobra para uma composição entre PT e PSOL na faixa da esquerda em São Paulo e a disputa eleitoral de 2020 talvez fosse a ocasião adequada para o ex-presidente Lula reforçar sua base de apoio e readquirir espaços que, indiscutivelmente, perdeu no episódio da sua prisão, a que ficou recolhido por 580 dias em Curitiba. O sindicalista Guilherme Boulos, do PSOL, malgrado divergências pontuais com o PT, poderia ser persuadido a uma composição com este partido, desde que a tática valorizasse, também, os espaços pelos quais ele vem lutando ao longo dos anos, no terreno da oposição e do enfrentamento ao bolsonarismo.
Boulos estava tanto mais credenciado a pleitear a prefeitura de São Paulo pelo fato de que em 2018 foi candidato a presidente da República. Este momento marcou, sem sombra de dúvidas, a sua inserção no cenário nacional. Além do mais, o PSOL atraiu para suas fileiras a deputada federal Luíza Erundina, natural da Paraíba, primeira prefeita de São Paulo, eleita pelo PT, do qual se desfiliou depois, ingressando no PSB e, finalmente, no PSOL. Está aí a chapa puro-sangue formada por Boulos na cabeça e Erundina na vice. E, para surpresa do “pajé” Lula e de outras cabeças coroadas do petismo, que julgam ter o monopólio de quase tudo, segmentos políticos importantes, personalidades de destaque e influenciadores das novas mídias, mesmo confrontados com o lançamento de Jilmar Tatto, declararam apoio ostensivo à chapa Boulos-Erundina. Essa manifestação sinalizou claramente a divisão reinante no delicado território esquerdista nacional.
Em João Pessoa, Ricardo Coutinho tem se empenhado com arrojo para atrair pelo menos o PT, esperando dispor de tempo no Guia Eleitoral para se defender de acusações fortes que lhe foram imputadas desde que deixou o governo em dezembro de 2018. De concreto, Coutinho tem atrapalhado o ritmo da candidatura própria de Anísio Maia e refreado o ânimo de expoentes da militância petista. Mas está longe de arregimentar apoios para cimentar uma Frente de Esquerda, que na Paraíba elege ainda como adversários o governador João Azevêdo e o prefeito Luciano Cartaxo. Se a utopia da “Frente” não prosperou agora, dificilmente vai prosperar em 2022, quando Lula tentará voltar de qualquer maneira ao ringue e as outras forças de esquerda tentarão se credenciar como alternativa tanto a Bolsonaro como a Lula. É a perspectiva que se desenha no horizonte político.