Nonato Guedes
Ex-deputado federal e figura de destaque do PT nacional, o padre Luiz Couto protagonizou espetáculo prosaico e surrealista na cena política da Paraíba nas últimas horas: ele pleiteou licença da secretaria de Agricultura Familiar do governo João Azevêdo para declarar apoio à candidatura de Ricardo Coutinho (PSB) à prefeitura de João Pessoa e até mesmo se engajar na reta final rumo ao primeiro turno das eleições, previsto para 15 de novembro. Couto oficializou o apoio durante uma live nas redes sociais com o postulante socialista na manhã de ontem, no mesmo dia em que Azevêdo, que pilota o Cidadania depois de se sentir praticamente expulso do PSB por Ricardo, marcou presença no Guia Eleitoral do candidato Cícero Lucena (PP), com quem sua legenda fez coligação.
Couto ficou em maus lençóis por sua atitude perante o esquema de Azevêdo e desagradou fatia da militância petista paraibana alinhada com a candidatura própria do deputado estadual Anísio Maia a prefeito da Capital. Na órbita palaciana que gravita em torno do governador, o gesto foi considerado como “mau exemplo”, embora oficialmente não tenha havido manifestação da parte de Azevêdo. Luiz Couto tinha razões para não apoiar Cícero Lucena, a quem combateu quando prefeito de João Pessoa e como governador do Estado. Por outro lado, ao renegar a candidatura de Anísio Maia, ele cometeu ato de flagrante indisciplina e infidelidade, já que o diretório municipal de João Pessoa, por unanimidade, aprovou o nome do parlamentar, encabeçando chapa em aliança com o PCdoB. Mas Couto pode se safar de punição interna, já que a própria cúpula nacional do PT, presidida por Gleisi Hoffmann, tem feito tudo para barrar a candidatura própria de Anísio e sacramentar apoio do partido a Ricardo Coutinho, que já foi do céu ao inferno na relação com as hostes lulopetistas.
Para observadores políticos, o caso de maior gravidade diz respeito à posição de Couto como auxiliar do governador João Azevêdo. Pela postura de seriedade que caracterizou sua vida pública até então, havia a expectativa de que Couto, ao invés de “tirar férias” para conspirar contra o governo do qual é secretário, fosse mais direto, objetivo, e solicitasse exoneração. Isto evitaria um constrangimento pessoal para ele e para o governador e pouparia o ex-deputado de “arranhões” na sua biografia. Agindo como agiu, cometeu algo parecido com uma “molecagem política”. Uma contradição com o estilo destemido que ele exibiu como deputado estadual e federal, quando denunciou grupos de extermínio que atuavam na fronteira Paraíba-Pernambuco ou como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, em que exerceu papel qualificado, conforme avaliações de organismos insuspeitos e de setores da própria imprensa nacional.
Diz-se que há uma razão forte para Couto ter “fraquejado” na altivez e na coerência na reta final da campanha municipal para prefeito: a gratidão imorredoura que o padre passou a devotar a Ricardo Coutinho, com quem se atritou no passado, em plenárias memoráveis do Partido dos Trabalhadores, a que ambos eram filiados. Atas e anais de reuniões ou assembleias petistas do período recente da história política da Paraíba anotam, inclusive, atitudes grosseiras da parte de Ricardo Coutinho para com Luiz Couto, nos embates que versavam sobre a ambição de Coutinho em ser o candidato do PT a prefeito de João Pessoa, feito que não logrou, tendo que se aninhar no PSB para ser eleito por duas vezes. A gratidão deu-se nos últimos anos do segundo governo de Ricardo no Executivo estadual, quando ele passou a valorizar a figura de Luiz Couto e abrir canais de interlocução preciosos. O ápice da generosidade repentina e maquiavélica de Ricardo para com Luiz ocorreu em 2018, quando Coutinho bancou apoio a Couto como segundo candidato do seu grupo a uma vaga de senador (o outro era Veneziano Vital do Rêgo, que foi eleito pelo PSB).
Na campanha de 2018, reinava a especulação de que o próprio Ricardo Coutinho deixaria o governo para concorrer a uma vaga senatorial que, em tese, tinha tudo para ser sua. O então governador, porém, surpreendendo a muitos, desistiu de encarar o desafio e resolveu permanecer no Palácio até o último dia a pretexto de contribuir, colateralmente, para a vitória de aliados e a derrota de adversários. Também deixou claro que não morria de amores pelo Senado e, num caso bombástico, admitiu que não confiava no grupo da vice-governadora Lígia Feliciano (PDT), que ascenderia à titularidade com sua renúncia. Suspeitava que o “clã” Feliciano não assumiria a conclusão de obras avançadas no seu governo e temia uma “rasteira” política desse grupo em plena campanha, já apeado do poder. Não obstante, acabou engolindo a permanência de Lígia na chapa de Azevêdo como vice.
Ricardo lavou o peito quando Luiz Couto, apesar de não ter tido votos suficientes para se eleger, teve boa cotação e contribuiu para derrotar Cássio Cunha Lima na tentativa deste de ser reconduzido à Casa. Cássio fora o grande aliado de Ricardo em 2010 contra José Maranhão, mas já em 2014 estavam rompidos. E em 2018, derrotar Cássio era questão de honra para Ricardo. Evidente que uma série de fatores conspirou contra isso. A candidatura de Luiz Couto não foi o ponto de inflexão para derrotar Cunha Lima, mas ajudou na estratégia obsessiva e calculista. Hoje, Couto quer pagar uma dívida, ao custo, todavia, de grande arranhão na sua biografia. Seria mais ético para o ex-parlamentar pedir exoneração do governo do Estado, onde nunca se sentiu à vontade na gestão de Azevêdo.