Nonato Guedes
Não se pode negar que a balela quanto a uma provável aliança entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT) tem uma recorrência muito forte na mídia, alimentada por supostos acenos de um ou de outro nessa direção. Mas, no fundo, tudo não passa mesmo de balela, por mais que tenha havido uma conversa em setembro, conforme foi vazado agora. Não há confiança entre Lula e Ciro e tanto entre petistas ortodoxos quanto entre pedetistas radicais o clima é, em regra, de enfrentamento, podendo chegar às raias da hostilidade, como tem se dado na eleição municipal deste ano em capitais como Fortaleza, no Ceará.
O próprio Ciro Gomes, numa entrevista que concedeu ao site “Congresso em Foco” há exatamente um ano, qualificou Lula como “enganador profissional” quando este ainda se encontrava na prisão, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Cid, o irmão de Ciro, ex-governador do Ceará, chegou a debochar de petistas que insistem em endeusar Lula, chamando-os de “babacas”. No reverso da medalha, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, espécie de porta-voz “pitbull” do ex-presidente Lula, praticamente exigiu mea culpa e pedido de desculpas de Ciro a Lula como condição para a costura de um provável entendimento político tendo como pano de fundo a sucessão de 2022. Setores da centro-esquerda que chegam a se animar com a perspectiva de união entre os dois líderes cometem equívoco de análise e não avaliam corretamente as dificuldades existentes no meio do caminho.
Além da falta de afinidade maior entre Ciro e Lula paira como fator de impasse a briga por hegemonia e protagonismo no cenário político nacional. Na eleição de 2018, quando Lula estava na prisão, ele insistiu na candidatura do professor Fernando Haddad em vez de sinalizar com qualquer perspectiva de apoio a Ciro Gomes. Na sequência, o pedetista se negou a pedir votos para o candidato petista no segundo turno, configurando-se, aos olhos da opinião pública, uma guerra declarada entre os expoentes maiores de centro-esquerda. Ciro foi claro na entrevista de um ano atrás quando disse que não tinha nenhum apreço político por Lula, a quem responsabilizou, inclusive, pela tragédia econômica, social e política atravessada pelo Brasil. Completou dizendo que Lula não tem grandeza e só pensa em si.
A impressão que fica da troca de farpas entre Lula e Ciro é que a única convergência existente entre eles é a oposição ao presidente Jair Bolsonaro e ao seu governo. Sobre o que o pajé petista pensa a respeito de Bolsonaro não precisa se estender muito. Basta resumir que o ex-presidente, que ficou possesso com o impeachment de Dilma Rousseff, pilhada em pedaladas fiscais graves, conforme o Tribunal de Contas da União, já deixou claro, nos movimentos que tem empreendido, agora em liberdade, que não se opõe a um virtual impeachment de Bolsonaro. Só que Lula é sagaz o suficiente para perceber que não há ambiente majoritário, na sociedade, receptivo ao impedimento do capitão. Não é por outra razão que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recusa-se terminantemente a pautar o impeachment na ordem do dia da Casa, apesar de inúmeros pedidos terem sido protocolados.
O cacique do DEM fluminense está antenado com o radar da opinião pública na conjuntura presente, que se agrava por causa da calamidade sanitária decorrente da pandemia do coronavírus. E detecta que não há um clamor pelo impeachment e que o governo do capitão ganhou sobrevida quando apelou a medidas assistencialistas e demagógicas como a concessão do auxílio emergencial, que atendeu a parcelas da sociedade asfixiadas pelo fantasma do desemprego e da falta de perspectivas de reativação da economia ou dos segmentos produtivos no chamado curto prazo. Não é segredo para ninguém que o grande desafio que se coloca, já para os governantes de agora, é a capacidade de administrar crises que se formaram dentro da crise sanitária de extrema gravidade. Esse desafio será tanto maior quando da eleição de 2022, quando os efeitos colaterais da pandemia terão se espalhado de forma irreversível no organismo da sociedade brasileira.
Há exatamente um ano Ciro Gomes declarou ao site “Congresso em Foco”: – “O que eu tenho clareza é o seguinte: com esta quadrilha que hegemonizou o PT eu não ando mais. Eu respeito muito o militante médio do PT, sei bastante bem separar o joio do trigo, mas não sou cúmplice de falcatruas”. O que se deduz de opiniões assim é que as “Senas acumuladas” entre Ciro Gomes e Lula da Silva são mais profundas do que imagina a vã filosofia da esquerda de botequim. E há cães de guarda dentro do PT com memória de elefante, de tal sorte que não esqueçam nem passem a borracha no que foi dito e publicado há tão pouco tempo. Em última análise: Lula não lutou à toa para ficar livre. A sua ambição é voltar a ocupar o Palácio do Planalto e nesse projeto se faz obstinado e investe todas as suas energias.