Nonato Guedes
A desfiliação do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, das hostes do Partido dos Trabalhadores, em setembro de 2015, faltando praticamente um ano para novas eleições, irritou e abalou profundamente a cúpula da agremiação, tanto no âmbito estadual como no plano nacional. Afinal de contas, Cartaxo fora acolhido pela legenda desde 1996, quando se elegeu vereador, posteriormente deputado estadual e chegou a ascender ao cargo de vice-governador na chapa encabeçada por José Maranhão. Em 2012, ele foi o único prefeito de capital nordestina eleito pelo PT, que, na época, já sinalizava estratégia para penetrar nos chamados “grotões” da região onde se situa o semiárido.
Além da perda de uma capital que era vitrine na Paraíba para expansão dos espaços de poder do PT e, por via de consequência, também no Nordeste, a cúpula nacional petista não digeriu as alegações invocadas por Cartaxo para se despedir da legenda, entre as quais a ocorrência de escândalos políticos envolvendo “notáveis” do petismo, como o ex-ministro José Dirceu. Luciano disse com todas as letras que não podia ser penalizado “pelos erros de terceiros” ou por “questões que aconteceram a nível nacional”. O PT de Lula estava a braços, então, com a infiltração de “mensaleiros” que acabaram protagonizando uma das mais rumorosas questões judiciais da história do país. O chamado escândalo do mensalão alcançava inevitável repercussão internacional porque feria de morte uma questão essencial para a sobrevivência do Partido dos Trabalhadores – o dogma da ética. “Mas o PT não é um partido de corruptos”, esbravejava Charliton Machado, presidente estadual da sigla.
O envolvimento de políticos com o recebimento de recursos oriundos de caixa dois, sintetizados em célebre depoimento do então tesoureiro nacional Delúbio Soares como “dinheiro não contabilizado”, desacreditou a legenda que fora fundada no ABC paulista como alternativa à corrupção então concentrada no interior de agremiações tradicionais, forjadas no clientelismo e no aparelhamento da estrutura de poder federal do Brasil. O PT praticamente institucionalizou ou “legalizou” uma prática notória de corrupção política, que era severamente condenada nos estatutos e resoluções da alta direção partidária. Com isso, perdia fé de ofício para insistir na tecla de que se tratava de um partido diferente, uma espécie de avesso do avesso de todos os modelos partidários já testados na conjuntura política-institucional brasileira.
O constrangimento foi tamanho que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva oscilou, do ponto de vista de atitude, entre propor um mea culpa imediato da parte dos petistas envolvidos ou arrolados em escândalos e, mais adiante, construir a narrativa de que o PT fizera igualzinho ao que outros partidos vinham fazendo há décadas na estrutura carcomida do sistema partidário vigente. Nesta segunda parte, Lula praticamente absolveu o PT por ter incorrido no fisiologismo pragmático adotado pelos partidos tradicionais, a eles nivelando-se em expedientes condenáveis, porém, indissociáveis da realidade que perdurava no Brasil. Com essa postura, Lula pareceu ter capitulado à tática de preservação, a todo custo, dos espaços do PT, recusando-se a jogar fora todo um árduo trabalho que foi desenvolvido para a construção de uma legenda nova, aparentemente sintonizada com um Brasil moderno que dizia “não” a sistemas viciados de dominação política-partidária.
Lula tinha consciência de que o PT, na esteira dos escândalos, perderia quadros e perderia, inevitavelmente, alguns anéis, mas concordava que assim fosse feito desde que não se perdessem todos os dedos das mãos. Quando oficializou, numa entrevista coletiva, a sua desfiliação do Partido dos Trabalhadores, o prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, deixou claro que aquela decisão era para quem “tinha coragem”. Ele antevia o bombardeio com que seria atingido, em meio a lances de arrivismo político, por estar privando o PT do comando da prefeitura de uma Capital importante no estratégico Nordeste brasileiro. Mas, embora não seja um político de rompantes polêmicos, Cartaxo avaliou que era preciso reagir, fossem quais fossem as consequências.
De resto, o prefeito de João Pessoa, apesar da militância dentro do Partido dos Trabalhadores, não era propriamente enfronhado nas instâncias de deliberação do partido, agindo mais como filiado do que como líder de relevância. A fragmentação do PT em grupos e em tendências parecia incomodar a Cartaxo, mais afeito a “clãs” do que a “multidões” diretivas. Ocorria, também, a falta de maior afinidade ideológica entre o alcaide e o partido. Embora admitido no campo da esquerda, Luciano não tinha o perfil do esquerdista combativo ou radical. Aproximava-se mais de perfis moderados, como ficou comprovado com as opções que elegeu para manter-se em evidência após deixar o PT.
Ele e o irmão gêmeo Lucélio Cartaxo ingressaram, num primeiro momento, no PSD, o Partido Social Democrático, que a nível nacional era presidido por Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo e ministro das Cidades do governo de Dilma Rousseff. A nível estadual, o PSD estava sendo organizado pelo falecido deputado Rômulo Gouveia, com raízes em Campina Grande e ligações com o grupo Cunha Lima. O PSD era um partido de centro e foi por ele que Cartaxo concorreu à reeleição em 2016, derrotando Cida Ramos. Depois, partiu para ingressar no PV, onde vislumbrou chances de autonomia e reconhecimento. O PT, para ele, foi apenas uma experiência, que acabou se tornando “um ponto fora da curva”, tal como o ministro Ayres de Britto qualificou o mensalão.