Nonato Guedes
A chamada “comunidade universitária” da UFPB, integrada por professores, estudantes e funcionários, está em pé de guerra com o presidente Jair Bolsonaro porque ele nomeou o candidato menos votado da lista tríplice enviada a Brasília como resultado da “consulta” aos três segmentos. O contemplado foi o professor Valdiney Veloso Gouveia, que teve apenas 5% dos votos e nenhum sufrágio nos Conselhos Superiores, preterindo-se a primeira colocada, a professora Terezinha Domiciano Dantas Martins, que totalizou soma ponderada de 964,518. O presidente da Aduf-PB, Fernando Cunha, prometeu agir de forma a fazer valer a consulta promovida junto à comunidade, salientando que a escolha de Valdiney foi um ataque à democracia. Eis aí uma empreitadazinha complicada.
Toda essa mobilização orquestrada contra o presidente Jair Bolsonaro corre o risco de ser em vão porque até professores que participaram da “consulta” ficam em saia justa para questionar a decisão final se, de certa forma, validaram as regras do jogo ao aceitar integrá-lo. Como definiu o deputado estadual Jeová Campos, do PSB, a decisão pode ter sido ilegítima mas é forçoso reconhecer que foi uma decisão legal. A verdade é que impasse dessa natureza somente prevalece porque se convencionou aceitar o processo de consulta, que não tem valor legal, ao invés de se lutar para institucionalizar, de forma definitiva, a eleição direta para chefes de universidades públicas. A própria declaração, ontem, da professora Terezinha Domiciano – “Sem comentários” – foi encarada como um sinal de resignação compulsória diante do fato consumado.
Pode-se questionar a birra do presidente Jair Bolsonaro com as universidades e instituições de ensino superior públicas, bem como o notório e continuado desapreço do atual governo pela Educação e Cultura no Brasil. Mas é indiscutível que o presidente agiu com base num imperativo constitucional que lhe possibilita esse tipo de interferência, amparada em critérios aleatórios, diretamente sintonizados com as expectativas e interesses ideológicos do mandatário que, como se sabe, detesta as esquerdas em geral e faz propaganda sistemática e ostensiva de ideias e crenças de direita, além de profissão de fé em valores conservadores. Sem falar que, na prática, Bolsonaro é campeão de atentados contra a democracia no Brasil, inclusive agredindo diretamente meios de comunicação respeitáveis e jornalistas de qualificação incontestável, tudo em nome da obsessão de construir uma “narrativa única” como suposta verdade absoluta a ser assimilada pela sociedade como um todo, o que é, reconhecidamente, um despautério, um insulto à inteligência alheia.
Abstraindo considerações desse tipo, que devem ser postas na ordem do dia para efeito de informação e reflexão, cabe lembrar que o presidente da República já havia nomeado nomes menos votados na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, entre outras. Não é só no âmbito das Universidades ou instituições de ensino que Bolsonaro mete a colher, embora ele tenha obsessão por controlar os dois segmentos – Educação e Cultura, polemizando sobre ideologia de gênero e uma gama de temas que deveriam ficar afetos a fóruns qualificados para debatê-los e esgotá-los até sua subida à instância de apreciação presidencial. O capitão é movido, nessa cruzada, pela ferrenha formação anticomunista que adquiriu em aulas, conferências ou mesas-redondas de que participou em círculos estritamente militares, doutrinados para uma guerra ideológica permanente e tresloucada.
Um fato grave que aconteceu ainda ontem, em Brasília, por obra da articulação política do governo Bolsonaro, foi a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto discutido em separado por sua natureza polêmica, autorizando tesourada de R$ 1,4 bilhão nos recursos do Ministério da Educação para acomodar gastos com obras e outras ações patrocinadas pelos parlamentares. A pasta recebeu o maior corte na proposta de remanejamento de R$ 6,1 bilhões, enquanto o Ministério do Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho, abocanhou R$ 2,3 bilhões. Esse Ministério é estratégico para fins políticos-eleitoreiros e será de extrema utilidade para o presidente Bolsonaro pavimentar o caminho da campanha à reeleição em 2022, inundando regiões como o Nordeste de obras de infraestrutura.
Em seu blog no “Jornal da Paraíba”, o crítico Sílvio Osias observa que até o presidente João Batista Figueiredo respeitou a consulta universitária e nomeou Jackson Carneiro de Carvalho para reitor da UFPB na década de 1980, quando a chamada ditadura militar estava nos estertores. A versão procede, cabendo apenas a ressalva de que Figueiredo empreendia um “populismo” recomendado pela sua equipe de marketing para conciliar a imagem de governante biônico com as expectativas de abertura política, que ganharam forma a partir da chamada distensão ensaiada pelo general Ernesto Geisel, a qual, no entanto, estava condicionada às “sístoles e diástoles” do mecanismo engendrado por um dos cérebros do regime agonizante, o general Golbery do Couto e Silva. Sim, Bolsonaro bem que podia fazer um agrado, um aceno qualquer, à comunidade universitária. Infelizmente, ele não quer fazer isso. E infelizmente para a comunidade e a sociedade em geral, a Lei está do seu lado.