Nonato Guedes
Além de ter tido obstaculada pela Justiça sua pretensão de candidatar-se a presidente da República em 1989, impugnado que foi juntamente com o seu vice, o ex-senador paraibano Marcondes Gadelha, o apresentador de televisão e dono do SBT Sílvio Santos foi igualmente impedido de ser candidato à prefeitura de São Paulo, em 1992, pelo então PFL, que o vetara na corrida ao Planalto. O relato da odisseia consta do livro de Marcondes, editado pela Matrix, intitulado “Sonho Sequestrado – Sílvio Santos e a campanha presidencial de 1989”. A candidatura em 89 foi considerada uma “aventura”, mas a verdade, segundo Marcondes, é que ela foi abatida por uma conspiração insidiosa de que participaram eminências políticas como o ministro Leitão de Abreu e figuras da comunicação como o empresário Roberto Marinho, proprietário das Organizações Globo, que não admitia ver um ex-camelô e concorrente no show business alçado à suprema magistratura da Nação.
A conclusão que salta da narrativa de Gadelha é que a militância política não constava do horóscopo de Sílvio Santos, embora o apresentador e dono do SBT, na fase de pré-candidato a presidente da República, tenha se tomado de ares messiânicos, fundados na lenda de que estaria predestinado a ocupar o cargo para cumprir uma missão: servir ao povo, principalmente aos mais pobres. Em 89, o lançamento de Sílvio provocou um terremoto no cenário político brasileiro e a candidatura passou a ameaçar, sobretudo, os interesses do postulante Fernando Collor de Mello, que acabou se elegendo em segundo turno. Collor durou pouco em palácio – em 92 foi defenestrado da cadeira no ápice de um processo de impeachment que mobilizou a sociedade e repercutiu no mundo inteiro. Em seu lugar foi investido Itamar Franco, o então vice, que escapou ileso à tempestade de acusações sobre corrupção no governo.
Em 92, segundo Marcondes, Sílvio Santos estava no auge da sua carreira, vertendo popularidade por todos os poros, de bem com a vida e com o mundo. Já era a figura pública mais admirada e querida do Brasil, conforme pesquisas de opinião divulgadas à época e tinha, agora, o apoio incondicional da Executiva Nacional do seu partido. Diz Marcondes: “Seria, pois, de novo, um candidato imbatível e, agora, com possibilidade real de chegar às urnas. Entretanto, começou a sofrer um processo insidioso de obstrução, ainda na pré-campanha evoluiu para demanda judicial e terminou em pancadaria. Grossa pancadaria, no sentido físico e literal da expressão”. Marcondes foi designado pela Comissão Executiva Nacional do PFL para integrar, com outros companheiros, em São Paulo, a coordenação da campanha. O paraibano havia deixado o Senado e trabalhava para o governo de São Paulo, como diretor executivo na construção da sede do Parlamento Latino-Americano, o Parlatino, Fora contratado por Orestes Quércia e mantido, na transição, por Luiz Antônio Fleury.
A filiação de Sílvio Santos ao PFL em Brasília, entretanto, caiu como um petardo sobre os meios políticos de São Paulo, e a primeira reação foi justamente a de Fleury, que mandou um recado bem sucinto e direto ao partido, proibindo movimentações mais incisivas. Também Gadelha recebeu um ultimato de Fleury: “Ou se afasta da candidatura Sílvio Santos ou será demitido”. Não hesitou um minuto. Pediu demissão, facilitando os passos de Fleury, que jogava com mais de uma opção para boicotar espaços de Sílvio Santos. O apresentador não se intimidou com arreganhos de força e aplicou-se em tarefas como a de se articular pessoalmente com diretórios distritais de São Paulo e delegados à convenção. Houve pressões contra delegados do PFL, que evitavam até receber Sílvio Santos. Faltando um mês para a convenção, o grupo de que Gadelha fazia parte optou por pedir intervenção do Diretório Nacional na seção paulista, o que foi feito, com designação do advogado Júlio César Casares para presidir a comissão interventora. A guerra recomeçou e os dissidentes fizeram convenção homologando Arnaldo Faria de Sá como candidato a prefeito. Sílvio conseguiu registro no Tribunal Eleitoral de São Paulo, mas o TSE anulou as duas convenções e não houve recursos das partes. A candidatura de SS estava, assim, excluída da disputa, e o terreno pavimentado para a eleição de Paulo Maluf. A decisão do TSE era irrecorrível, nos termos da Constituição. Sílvio estava impugnado.
Conta Marcondes Gadelha que ainda fez, posteriormente, uma última tentativa junto a Sílvio Santos para que pudesse viabilizar, em condições mais propícias, uma candidatura a presidente da República, mas foi tudo inútil. Numa visita que fez ao apresentador, Gadelha ouviu de Sílvio: “Marcondes, eu estou construindo um hotel no Guarujá. É uma pequena joia arquitetônica à beira-mar. Você vem aqui, bota um calção de banho ou uma bermuda, a gente toma um uísque ou um bom vinho e fala sobre tudo no mundo; fala abobrinha, fala mal da vida alheia, fala até de coisas sérias, mas…política, nunca mais!”. Assim foi!